Tell a Story – Levar Portugal num Livro

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Há uma carrinha que anda pelas ruas de Lisboa a vender livros de autores portugueses, traduzidos em línguas estrangeiras.  O projeto chama-se Tell a Story, mas não é uma simples livraria ambulante. É um encontro de culturas que as letras portuguesas proporcionam.

LEVAR PORTUGAL NUM LIVRO

Quando Domingos Cruz quis oferecer, a um amigo chileno, o livro “Os Maias” em espanhol, não conseguiu encontrar em lado nenhum. Foi então que se lembrou que podia fazer negócio com uma livraria especializada para estrangeiros. E foi assim que nasceu a Tell a Story.

Domingos Cruz é um dos três sócios da Tell a Story. A este advogado se juntaram João Correia Pereira, publicitário, e Francisco Antolin, o único dos três que está dedicado a 100% ao Tell a Story.  «O Francisco viveu fora muitos anos, em muitos sítios, Londres, Paris, Barcelona, Bruxelas, Nova Iorque… Tem uma bagagem cultural e uma capacidade de se expressar em vários idiomas fora do vulgar, o que lhe permite interagir muito bem com os estrangeiros.»

O projeto, que anda na cabeça dos sócios desde 2010, conheceu a luz do dia há pouco mais de um mês. «O conceito é muito simples. Dar a conhecer os autores portugueses aos estrangeiros que visitam ou vivem em Portugal. E em vez de esperar que os turistas venham até nós, somos nós que vamos ao encontro dos turistas», diz Domingos Cruz.

Para isso, arranjaram uma carrinha que anda pela cidade de Lisboa, com cerca de 300 livros a bordo, e pára em pontos por onde passam os turistas. Especificando melhor, para já, e de acordo com o combinado pela Câmara Municipal de Lisboa, a carrinha pode estar em Santa Apolónia, Cais do Sodré, Príncipe Real, São Pedro de Alcântara, Basílica da Estrela e Belém. Todos os dias vão variando de local e, de terça a domingo, entre as 10h e as 20h, abrem as portas da carrinha e colocam os livros à mostra para seduzir os clientes.

O usar uma carrinha tornou o negócio itinerante ainda mais apetecível e original. Livrarias há muitas, mas nenhuma que vá ao encontro do público estrangeiro nas ruas da capital portuguesa. E foi durante uma das viagens de Domingos Cruz, pela China, que surgiu a ideia.

«Os livros em inglês são vendidos em carrinhos de fruta, no meio da rua. Esse, creio, que foi o momento “Eureka”». E foi a partir daí que começou a crescer a Tell a Story. «Era uma vez um país nascido com o dom da escrita, um autor que queria contar uma história, um livro que queria ser lido, um turista que não falava português, e uma livraria que não sabia manter-se no mesmo lugar. Todos eles uniram-se. E escreveram uma nova história», diz o site da Tell a Story.

Começaram primeiro com o que chamam de «catálogo pequeno», com livros de Fernando Pessoa, José Saramago, António Lobo Antunes, Sophia de Mello Breyner, Eça de Queiroz, Miguel Torga, Miguel Sousa Tavares, Almada Negreiros e Aquilino Ribeiro. Mas, em breve, essa lista poderá mudar, até porque, contam-nos, «já começamos a entender quem são os nossos clientes-tipo e estamos a ajustar a oferta».

A carrinha, azul e branca, uma Renault Estafette, de 1975, foi encontrada em Alcanena. Diz Domingos Cruz que o facto de ser francesa, ajuda a que os franceses sejam os primeiros a olhar com curiosidade. «Já nos disseram que era a carrinha da polícia de choque francesa», adianta. O veículo é fotografado centenas de vezes ao dia. Uns são apenas curiosos, outros querem levar Portugal com eles, através de um livro.

«A reação dos turistas é muito boa. Quando se aproximam e entendem o conceito, mesmo que não comprem, acham uma excelente ideia. Os turistas que compram são a nossa inspiração. Cada um tem uma história diferente para contar», afirma Domingos Cruz. E apesar do projeto ser recente, uma das histórias já ficou para a posteridade: «um turista americano ficou cerca de 15 minutos a ver os livros, comprou “O Ano da Morte de Ricardo Reis”, foi buscar um copo de vinho e sentou-se debaixo de uma árvore no Jardim do Príncipe Real toda a tarde a ler o livro».

Os livros mais vendidos são de Fernando Pessoa e quem compra mais são os turistas francófonos. Os preços dos livros variam entre os 12 e os 20 euros mas a Tell a Story não quer simplesmente vender livros: «pretendemos proporcionar uma experiência na aquisição do livro, e não uma mera compra». É algo mais personalizado, que pretende deixar uma marca a quem se deixa levar pela leitura. «Aconselhamos o livro, explicamos a obra, damos um postal com as nossas frases preferidas de cada autor, damos um lápis para escrever as anotações na margem. Queremos transmitir boas sensações e sobretudo transmitir o nosso respeito pelo livro enquanto objeto», diz Domingos Cruz.

Para já, têm livros em inglês, francês, espanhol e alemão. No site http://www.tellastory.pt vai encontrar letras criadas especificamente para a Tell a Story, para que qualquer pessoa possa escrever com a letra dos autores. «Pedimos a uma perita em caligrafia para desenhar a fonte, com base na caligrafia dos nossos escritores», desvenda Domingos Cruz. Ainda no sítio da Internet fica uma despedida com um regresso prometido: «Leve os nossos livros consigo e regresse a Portugal sempre que sentir saudade».

Green Brick Road

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A vida já era feita «à volta das viagens» e um dia decidiram que era altura de partirem à aventura, de darem a volta ao mundo, mas ajudarem o planeta «mais limpo e verde para as gerações futuras».

GREEN BRICK ROAD

A portuguesa Rita Bragança, 29 anos, e o uruguaio Leandro Fans, 34, são os mentores do projeto Green Brick Road. «Quem não quer dar a volta ao mundo e conhecer muitos lugares e pessoas tão diferentes? E se se puder fazer isso de forma simbiótica, em que a viagem em si nos dá muito mas também podemos contribuir com algo? Escolhemos viajar pelo mundo numa eco-autocaravana como forma de nos deslocarmos entre quintas biológicas do programa internacional WWOOF (World Wide Opportunities on Organic Farms) onde iremos aprender através de trabalho voluntário», disse à NM, Rita Bragança.

A Rita é formada em direcção de cena e o Leandro é chefe de cozinha e o objectivo de ambos é aprender sobre agricultura biológica e permacultura e aprender a viver de forma sustentável e auto-suficiente. «Uma espécie de curso prático intensivo», adianta Rita sublinhando que «É também chamar a atenção para o facto de estarmos a viver de uma forma insustentável baseada num sistema de comprar-usar-deitar fora. A esta altura, depois de tantos anos a ouvirmos falar em protecção do ambiente já parece um bocado absurdo haver ainda quem se recuse a ver isso como uma problemática séria. É daquelas coisas que toda a gente sabe mas poucos fazem alguma coisa porque dá trabalho e porque ser ecológico “é coisa de hippie”. Reduzir o consumo é fácil, reutilizar é uma forma de criatividade e reciclar chega a ser um jogo de crianças com os ecopontos às cores».

Rita e Leandro partiram no início do mês de Abril e vão estar a viajar durante dois anos, passando por 15 quintas em países diferentes. Se quiser embarcar pelo mesmo espírito mas ficar por Portugal, saiba que o WWOOF em Portugal tem cerca de 200 quintas.

«O contacto com os anfitriões e a comunidade local, permitem uma valiosa aprendizagem sobre o trabalho a fazer, como o fazer e como tirar o melhor da quinta. Em troca pelo trabalho voluntário, os anfitriões oferecem alojamento e alimentação», explica Rita. Na viagem vão usar, como veículo, uma carrinha que adaptaram ao uso de óleo vegetal como combustível. Mais barato e amigo do ambiente.

«São dois problemas resolvidos de uma só vez, os gases emitidos são menos poluentes do que o gasóleo e elimina-se um resíduo. Mas é importante reforçar que se se quiser usar este combustível que se faça de forma consciente, usem óleo vegetal usado e nunca óleo vegetal novo. Porque faz com que aumente o preço deste produto alimentar básico e pressiona a produção de mais óleo para ser usado como combustível. Essa é uma das principais causas da desflorestação, com consequências devastadoras para habitats e vida selvagem por todo o mundo, e também do desalojar de comunidades indígenas para dar lugar a estes enormes empreendimentos».  

No futuro querem ter uma quinta própria: «não sabemos onde ainda, mas queremos um lugar onde possamos ter a nossa família e viver segundo os princípios de permacultura. Esperamos continuar com o programa WWOOF mas já como anfitriões, assim podemos partilhar o que aprendemos durante a viagem e receber wwoofers de todo o mundo».

A nova vida das bolotas – publicada na Notícias Magazine, dezembro de 2013

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Jornalista Susana Ribeiro Fotografia de Luís Pardal/Global Imagens

 
 A NOVA VIDA DAS BOLOTAS

A cozinha surgiu um pouco por acaso na vida de Pedro Mendes. Durante uma boa parte da sua vida, este chef, agora com 39 anos, pensou que seria advogado. Foi uma viagem pela Europa que o fez descobrir a sua paixão pela culinária e desde aí nunca mais parou. Entre tachos e panelas, gosta de experimentar, e foi pioneiro ao lançar um original livro com receitas a partir de um fruto mal amado: O Renascer da Bolota.

Se fosse um filme, podíamos romancear logo no início da história. Conta-nos o chef Pedro Mendes que, no Alentejo, estava a passear no campo e deu um pontapé numa bolota. «Peguei a bolota na mão e pus-me a pensar “eu podia cozinhar isto”». E assim nasceu o desejo de fazer um livro sobre a história da bolota na culinária portuguesa. Lançada este ano, “O Renascer da Bolota”, é umaobra que reúne três dezenas de receitas confecionadas com aquele fruto, além de trazer curiosidades sobre o mesmo.

ImageMas, nem sempre Pedro Mendes quis ser um cozinheiro profissional. Isto, apesar de, desde novo, ter tido uma queda para a cozinha. Aliás, assegura a sua mãe, que uma vez chegou a casa e ele – com apenas oito anos – tinha feito um bolo com morangos e «todo decorado». «O que acaba por ser curioso porque eu não me interesso muito por pastelaria. Mas sempre cozinhei por piada e até havia o hábito de cozinhar para a família.O meu prato era o arroz maluco, ou seja, era o arroz com tudo o que havia em casa». Apesar desse gosto,«tudo estava encaminhado para que fosse advogado», confidencia. Frequentou o curso universitário de Direito mas desistiu quando estava no terceiro ano. Decidiu então, abriu uma loja de roupa em segunda mão, em Almada, e a seguir embarcou numa viagem, pela Europa fora, com 20 anos de idade. Trabalhou em bares e restaurantes e quando voltou para Portugal fez cursos e workshops para aprender mais. Rendeu-se definitivamente à cozinha.

«A cozinha é algo muito intuitivo.Vem de dentro de cada um e a minha paixão é a cozinha portuguesa», diz Pedro Mendes, salientando que o projeto do livro O Renascer da Bolota passa também por divulgar a cultura nacional. «Ser chef não pode ser só cozinhar e gerir uma cozinha. Eu gosto de ligar-me a uma série de coisas, culturais e artísticas», confessa.

O Alentejo é um do seus locais preferidos – começou este mês a trabalhar como chef executivo do Restaurante Narcissus no Alentejo Marmòris Hotel &Spa- e, por isso, sente-se muito influenciado pela gastronomia alentejana, que admira. «Acho que posso chamar-lhe de uma gastronomia de subsistência. É feita de ingredientes baratos e enriqueceu-se imenso ao longo do tempo, mas sempre com esta ideia de subsistência e muito prática».

Voltamos à parte romanceada. Durante um passeio, no Alentejo, Pedro Mendes tropeçou numa bolota, pegou nela e questionou porque é que as pessoas não as comiam mais. Começou à procura de fornecedores, a fazer experiências, a criar pratos e a vendê-los no restaurante onde trabalhava. «Os clientes mostravam-se surpreendidos mas experimentavam e gostavam muito», recorda o chef .«Ainda existe um estigma muito grande associando a bolota à fome e as pessoas têm vergonha de dizer que comem bolotas, porque é um fruto que se dá aos porcos», explica Pedro Mendes. A história da bolota na gastronomia portuguesa foi algo que o cozinheiro procurou perceber melhor e também explicar através do seu livro.

Ao pesquisar, para escrever O Renascer da Bolota, Pedro Mendes falou com alentejanos que usavam a bolota na alimentação. «Primeiro estranhavam o interesse. Este é um alimento que está associado ao racionamento dos cereais, durante a guerra, e que era usado para fazer farinha e pão. Mas, antes disso, reza a história que, no tempo dos lusitanos, a bolota já fazia parte da alimentação humana».

ImageA sazonalidade do fruto é muito curta. «A apanha dura duas ou três semanas, entre o final de outubro e início de novembro», explica o chef . E o segredo na cozinha está também no tratamento que se dá à bolota, que acaba por ser semelhante ao da castanha. Por isso, a primeira experiência de Pedro Mendes foi assá-las no forno e saltear na frigideira. «A parte complicada», confessa«é tirar a pele.Tem de se por em água quente para sair mais facilmente». As experiências foram continuando e, por altura do Natal, descobriu, numa das suas pesquisas,que as primeiras azevias se faziam com farinha de bolota e mel. Arregaçou mangas e seguiu a receita, que agora está no seu livro.

O Renascer da Bolota reúne 30 receitas com carnes, petiscos e sobremesas.«Coisas práticas e fáceis de fazer. É algo transversal para profissionais de cozinha ou simples curiosos», assegura o chef . Entre as propostas estão o coelho bravo assado com bolotas, o creme de bolotas com cogumelos, a perna de frango cerejada com bolotas ou os bolinhos de bolota e mel, por exemplo. O livro tem ainda tem um texto introdutório, de Tiago de Brito Penedo (Historiador da Universidade de Lisboa), sobre a bolota alentejana «desde os tempos em que o Alentejo já foi uma floresta serrada». A partir deste mês, Pedro Mendes passa a ser o chef executivo do Restaurante Narcissus no Alentejo Marmòris Hotel &Spa e, por isso, está mais perto das bolotas. Novas criações avizinham-se.

PERCURSO DE PEDRO MENDES

Depois de parar os estudos na Faculdade de Direito, decidiu fazer uma viagem pela Europa. Primeiro parou na Bélgica e lá ficou a trabalhar num restaurante e bar. «Eu queria trabalhar no bar e pensava que falava bem francês. Pensava…mas não falava. Então puseram-me a trabalhar na cozinha, onde faziam a gastronomia tipicamente belga. Primeiro fui para copa lavar loiça mas, depois, como estava sempre muito atento, puseram-me a cortar batatas. E aquilo foi evoluindo e eu acabei por ficar lá quase dois anos», conta o chef . Ainda assim, não tinha a certeza que era mesmo a cozinha o seu futuro. Depois da Bélgica decidiu partir para a Irlanda e, na capital deste país, trabalhou durante dois anos como gerente de bar e tirou um curso de gestão de bar. «Fui o primeiro estrangeiro a gerir um bar em Dublin», diz orgulhoso, acrescentando que «veio nos jornais e tudo. Era notícia em todo lado».

ImageApesar de ter cumprido o sonho de trabalhar em bares, diz nunca ter perdido a paixão pela cozinha. Voltou a Portugal, «só de passagem porque tinha um emprego num bar em Nova Iorque à espera», mas acabou por ficar. Entretanto, começou a fazer cursos: com Vítor Sobral e, de sushi, com Paulo Morais. E a cozinha começou a ser algo mais sério. Tanto que, em 2004, seguiu até Paris para fazer um curso intensivo no instituto CordonBleu, onde aprendeu as bases de cozinha durante seis semanas.

No regresso a Portugal, decidiu apostar em espaços próprios. Primeiro ficou à frente do restaurante 39 Degraus da Cinemateca, com o irmão, depois no MM Café no Maria Matos e ainda no Cinema São Jorge Café. Em 2009, muda-se para o Algarve, sendo convidado a chefiar a cozinha do restaurante The Dolphin e posteriormente como chefe no restaurante A Concha, na Praia da Luz. Mudou-se agora para o Alentejo, onde vai ser chefexecutivo do Restaurante Narcissus, no Alentejo Marmòris Hotel &Spa.

No seu percurso, Pedro Mendes tem várias distinções e uma delas está inscrita no Guiness World Records, por ter confecionado a Maior Omeleta do Mundo, em Ferreira do Zêzere. O Renascer da Bolota é o segundo livro deste chef que já publicou Cozinha Sem Livro / Bookless Kitchen, em formato bilingue.

O Michelin das pizas

Michelin das pizasSe sonha em comer a verdadeira piza napolitana e não pode viajar até Itália, tem de ir a Matosinhos. É lá que está o único espaço em Portugal com a certificação da «verdadeira piza napolitana». Em outubro, o restaurante Pulcinella e o pizzaiolo Antonio Mezzero vão representar Portugal no campeonato onde se escolhe a melhor piza da Europa.

Ainda não são oito da noite e a fila da pizaria Pulcinella, em Matosinhos, já vem até à rua. Aqui não há reserva de mesa e quem espera… espera. O objetivo vale a pena: provar as pizas tal como nasceram em Nápoles. Dentro do balcão, incansável a amassar pizas, está um maestro pizzaiolo veramente napoletano. É Antonio Mezzero, italiano de Nápoles, com 30 anos, a viver em Portugal desde 2008. Foi ele quem conseguiu a proeza de ter a sua pizaria Pulcinella inscrita na lista de locais que servem a verdadeira piza napolitana em todo o mundo. Ter essa certificação é, para os pizzaioli, tão importante como uma estrela Michelin para os chefs em todo o mundo.

Foi em maio deste ano que chegou o papel que atesta que a Pulcinella é casa que serve a piza seguindo a tradição napolitana. As regras explica-as o mestre: «O menu tem de ter as pizas mais antigas, a clássica marguerita e a marinara. Eram as que existiam no início, quando surgiram as pizas.» Está exposta, com destaque, a certificação do Pulcinella com vera pizza napoletana, assinada pela Associação da Verdadeira Piza Napolitana [ver caixa]. Está também exposta uma camisola do clube de futebol Nápoles com o número 437: o lugar de Pulcinella entre as pizarias certificadas no mundo. Mais de metade são em Itália. Mezzero está ainda na lista dos cinquenta melhores pizzaioli do mundo.

Não obstante tamanho orgulho, Mezzero quer inovar e, mais do que isso, quer dignificar o nome de Portugal nos campeonatos, europeu e mundial, entre pizzaioli de todo o mundo. É a sua forma de homenagear Portugal, o país onde conseguiu vingar num trabalho que faz desde criança.

Foi aos 12 anos que fez a primeira piza. Vivia na Alemanha, onde aliás cresceu até se mudar para o Porto, e o pai, dono de uma pizaria, precisou de ajuda na cozinha. «Estava com o meu irmão gémeo, na rua a jogar futebol, e eles chamou-nos porque tinha faltado um empregado – que depois vim a saber era de Campanhã! Então… ele chamou-nos e ensinou-nos como se fazia a massa e se trabalhava. Só explicou uma vez. Se errássemos ou brincássemos, apanhávamos logo um calduço. E foi assim que aprendi», recorda.

Uma semana depois, estava a fazer 280 pizas, ajudando o tal mestre português. Pode ter começado como obrigação, mas não é preciso falar muito tempo com Mezzero para perceber que depressa se tornou uma paixão o que faz. «Estou a realizar o meu sonho. Estou agora focado nos campeonatos porque quero colocar o nome de Portugal nos píncaros, entre os maiores pizzaioli mundiais. Se ganhar vai ser uma forma de agradecer ao país que me acolheu e me permitiu realizar o meu sonho», diz. Vai participar no Campeonato Europeu, nos dias 21 e 22 deste mês, em Milão, onde vai ser escolhida a melhor piza da Europa.

Enquanto sonha com um lugar entre os três primeiros, o mestre diz que vai apresentar uma piza original, mas não pode revelar o seu segredo, apenas adiantando que será «clássica gourmet». O campeonato mundial vai acontecer em 2014, em Parma, e tem seiscentos participantes.

Neste último, os prémios são tão diversos como: o pizzaiolo mais organizado, a piza mais larga, o mais acrobático, entre outros. Mezzero é um alquimista da piza napolitana. O processo de fazer a massa é artesanal, e é só ele que a faz. «Ninguém mais mexe na massa. Mas a piza napolitana não tem segredos: é farinha, água, fermentação… O segredo é a experiência. Tudo o que é bom demora tempo. A piza demora um minuto a fazer, mas para a massa demora horas a quebrar os ossos das mãos», explica, ainda com sotaque italiano.

Antonio Mezzero ficou mais conhecido na celebração dos 250 anos da Torre dos Clérigos (monumento do italiano Nicolau Nasoni), a 26 de maio deste ano, assinalados pela Associação dos Italianos em Portugal com uma piza de cinco metros, confecionada por este pizzaiolo.

Este italiano, que venera Maradona e tem uma paixão por motos italianas, especialmente pelas Ducati, quer continuar a destacar-se. «Gostava mesmo de ganhar nos campeonatos. Primeiro o europeu e depois o mundial. Ou pelo menos ficar nos primeiros lugares. Já viram o que era dizer que a melhor piza da Europa está em Matosinhos, Portugal? Era um orgulho. Um sonho.»

A VERDADEIRA PIZA

Corria o ano de 1982 quando, em Nápoles, Itália, foi criada a Associação da Verdadeira Piza Napolitana (em italiano, Associazione Verace Pizza Napoletana). «A única associação sem fins lucrativos que defende e promove a cultura da verdadeira piza napolitana no mundo.» A sua missão é promover a piza napolitana, fazendo respeitar as normas e caraterísticas, para que seja feita tal como manda a tradição.

Pode o leitor pensar que todas as pizas terão então distinções. Não. A piza napolitana é a única registada no mundo. Para conseguir a certificação é necessário muito trabalho e estudo. Antonio Mezzero teve de enviar vídeos de como fazia as suas pizas e tudo é analisado: se a loja tem alvará; se o espaço é só de pizas (não pode ter pastas e massas); se tem as pizas clássicas na ementa; como é o forno a lenha; como é feita a fermentação da massa; entre muitas outras caraterísticas.

Depois é analisada a candidatura in loco pela associação AVPN e só depois surge o resultado da avaliação. Mezzero é agora responsável por avaliar outras pizarias, em Portugal, que queiram ter «a verdadeira piza napolitana». Em breve, na Pulcinella vai ter workshops para ensinar a fazer pizas e até podem contar com os ensinamentos de Girogio Giove, que é o campeão do mundo de piza acrobática.

 

Texto: Susana Ribeiro

Fotos: Artur Machado / Global Imagens

Publicado na Notícias Magazine de 13 de outubro de 2013

Uma Broadway à moda do Porto

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Texto: Susana Ribeiro

Fotos: Pedro Granadeiro/Global Imagens

Publicado na revista Notícias Magazine, em junho de 2013

Os cursos universitários não lhes trouxeram a realização profissional. Já os musicais mudaram-lhes a vida. Bruno Galvão e João Ribeiro são produtores e têm o sonho de fazer, no Porto, uma espécie de Broadway. Ou pelo menos fazer musicais na cidade. Nos últimos quatro meses tiveram em palco, no Rivoli, o musical Zorro , com textos e músicas originais. Um produto totalmente made in Portugal e que em breve vai estar nos palcos lisboetas.

Os musicais entraram de rompante na vida de Bruno Galvão e João Ribeiro. «Foi amor à primeira vista», diz Bruno. Depois de terem tirado cursos em áreas completamente diferentes, desporto e recursos humanos, renderam-se ao teatro musical e tiveram a força e a energia para criar uma produção de raiz, no Porto. Agora estão ambos à frente da Elenco Produções e são os produtores do musical Zorro , o espetáculo que nos últimos quatro meses encheu a sala do Teatro Rivoli, no Porto.

Agora com 28 anos (Bruno) e 29 (João) estariam a trabalhar nas áreas que escolheram, não fosse o facto de terem passado pela Academia de Música Vila do Paraíso, em Vila Nova de Gaia, onde começaram com aulas de canto. «Na altura não ligava nada à música», confessa Bruno. «Um dia fui com uns amigos ver um espetáculo da Academia de Música Vilar do Paraíso e gostei mesmo. Foi então que me inscrevi nas aulas de canto.» A partir daí, mudou todo o trajeto da sua carreira. Enquanto estudante ainda fez parte do elenco de vários musicais de Filipe La Féria, como Jesus Cristo Superstar , UmViolino no Telhado , Piaf , Feiticeiro de Oz , entre outros.

Também João Ribeiro foi para as aulas de canto. Entraram os dois para o coro ligeiro da Academia e fizeram musicais juntos como Rei Leão . «Eu era o pai (Mufasa) e ele o filho (Simba)», diz Bruno, entre risos. «Fazíamos tudo: cantávamos, dançávamos e atuávamos», confirma João, acrescentando que «foi aí que nasceu a paixão pelos musicais.»

A vontade de subir aos palcos era tanta que os estudos iam ficando de lado. Concluíram os cursos mas já era só a música que lhes interessava. «Ainda pensei largar o curso, mas consegui fazê-lo. Ia lá e fazia os exames, mas só a música e os espetáculos é que me interessavam», refere Bruno.

João Ribeiro, que foi desportista de alta competição em ginástica e vela (ainda dá aulas na marina da Afurada, em Vila Nova de Gaia), passou por aulas de piano e de guitarra mas nenhuma lhe despertou tanto interesse como as aulas de canto na Academia. «Na altura era mais uma desculpa para estar com os amigos. Mas começou aí esta paixão e mudou a nossa vida», diz Bruno. «É verdade», anui João, «sempre disse que queria desporto, mas só me apercebi de que não queria só isso quando comecei a participar e a ver musicais.»

Foi a Academia de Música também que lhes deu bases para a produção de espetáculos. «Éramos nós que fazíamos tudo. Íamos fazer as montagens do cenário, atuávamos e no final arrumávamos tudo», recorda João Ribeiro. Em 2005, surgiu uma oportunidade de organizarem um evento cultural para a Ordem dos Médicos. «Tínhamos vários amigos que eram músicos e gostávamos dos projetos deles. Em vez de convidarmos alguém, criámos logo o nosso primeiro projeto com vozes a capella e músicos, que era o grupo G Clef.»

Continuaram com os eventos culturais enquanto estudavam mas, já nessa altura, surgiu a ideia de produzir um musical. Ainda na brincadeira, claro. Bruno chegou a morar três meses em Nova Iorque. «Trabalhava metade do tempo num restaurante e outra metade ia ver musicais à Broadway. Quando saí de lá tive a certeza de que queria fazer aquilo na minha vida.»

Os musicais que Bruno interpretava na companhia de La Féria não lhe enchiam as medidas e também João não se sentia preenchido só com a vela. Queriam trabalhar mais em teatro musical e decidiram criar a sua própria empresa: a Elenco Produções. Quis o destino que, em 2010, a produção de um espetáculo infantil, que estavam a preparar para o pequeno auditório do Rivoli, não fosse para a frente. «Ficámos com as datas disponíveis e pusemo-nos a pensar no que podíamos apresentar nessas datas. Ligámos ao músico Artur Guimarães e ele disse logo “fazemos um musical mas no grande auditório”. E foi assim que, em 2010, surgiu o primeiro musical produzido pela dupla: Cinderela XXI , que teve sala esgotada nos 17 dias de apresentação, num total de vinte mil espetadores. «A verdade é que sabemos como o conseguimos. Temos perfeita noção de que a maneira como montámos a nossa equipa foi muito ponderada. Juntámo-nos às pessoas que poderiam trazer-nos o know-how que não tínhamos de produção. Isso ajudou-nos imenso», revela João Ribeiro.

Seguiu-se, em 2011, o musical A Ilha do Tesouro , outro sucesso de bilheteira; e este ano produziram Zorro . «Baseamo-nos numa história ou num título e, a partir daí, nasce algo novo. A história, a música, a letra, o enredo e a dramaturgia, é tudo original em todos os musicais que fazemos», dizem os produtores. Por não terem qualquer tipo de apoio, a não ser de empresas parceiras, e de dependerem da bilheteira, o dinheiro é controlado ao cêntimo: «O teatro musical é uma arte, mas não deixa de ser um negócio e é preciso pagar tudo direitinho no fim do mês. Só fazemos os projetos se tivermos dinheiro. Primeiro juntamos o dinheiro. E depois avançamos. O orçamento fica bem definido com os pés assentes na terra. E apesar de as parcerias nos pouparem dinheiro e de sabermos que os tempos são difíceis, gostávamos de ter mais publicidade associada.»

Apesar disso, nunca concorreram a apoios: «Nunca quisemos perder energias a concorrer a fundos. Para concorrer, temos de recorrer a advogados, porque é preciso ter alguém que sabe como funciona. A candidatura, se estiver mal, não vem para trás para se mudar. Simplesmente não é aceite e vão meses de trabalho e dinheiro pelo cano abaixo. E nós precisamos de ter esses meses de trabalho a vender bilhetes, porque é disso que vivemos», diz João Ribeiro.

Agora já estão a pensar no próximo musical, que deverá ser apresentado pelo Natal, no Porto. Zorro está previsto nessa altura em palcos de Lisboa. Entretanto, os projetos continuam a surgir e um deles é criar uma escola de musicais da Elenco Produções. «De vez em quando fazemos castings para envolver crianças nos espetáculos. O nosso próximo objetivo é criar uma escola, até porque há muito pouca formação em teatro musical», diz João Ribeiro. Para já, a recetividade das escolas aos espetáculos tem sido extraordinária. O que é uma espécie de colocar a semente para germinar.

Para todos

Zorro foi pensado para atravessar várias gerações, não cai no erro de ser muito infantil – ainda que as crianças vibrem com o herói Zorro -, e cativar os adultos. O espetáculo é todo feito em português e com talentos nacionais. Rui Melo encenou, Joana Quelhas tratou do movimento e assistência de encenação, Liliana Moreira escreveu os textos e Artur Guimarães fez todas as músicas de raiz, originais, cantadas em português e gravadas ao vivo.

Os cenários são aparentemente simples mas muito bem trabalhados, com uma Vila Garcia que quase parece verdadeira. Há momentos criativos como as coreografias de esgrima (todo o elenco teve aulas durante semanas), o trio mariachi cómico, uma dança de canecas e vozes únicas em palco. Há perto de cem pessoas a trabalhar, atrás e à frente das cortinas, e com nomes de valor artístico como Manuel Moreira, Pedro Pernas, Teresa Queirós, Nuno Martins, Ruben Madureira, Carlos Martins e Sissi Martins, entre outros. No final do espetáculo, o Zorro ou outros membros do elenco tiram fotografias com o público. Para mais tarde recordar.

A criadora de cores (por Susana Ribeiro)

Sabia que, quase todos os dias, são criadas novas cores? É essa a profissão de Céline de Azevedo: faz cores. Algumas chegam a ser tendências de moda.

Alguma vez reparou em todas as cores que o rodeiam no dia a dia? A designer de cor Céline de Azevedo repara. A inspiração vem de qualquer objeto. Desde uma folha de uma árvore a um papel simples. É assim o dia a dia de um designer de cor. Atento ao que o rodeia, às tendências, e a criar novas cores.

Céline de Azevedo é, desde 2004, responsável pelo departamento de Design de Cor do grupo de tintas CIN. Mas é apaixonada pelo tema há muito tempo. No que toca à moda, por exemplo, a designer está por dentro do trabalho das grandes agências internacionais do mercado têxtil, que definem as cores da moda que depois são seguidas pelos criadores e pela indústria. « No caso da CIN, costumamos fazer o contrário. A lgumas cores até acabam por coincidir, como os tons pastel deste ano, por exemplo. Mas o método de funcionamento é diferente do mundo da moda, até porque pintar uma casa ou um objeto não muda a cada estação. Quando pintamos, queremos que dure mais tempo e é nisso que também pensamos quando criamos uma cor. »

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Foto de Adelino Meireles

 

«O lançamento das tendências nas tintas é anual, porque o ritmo da decoração da casa não é tão rápido como o da moda. » As tendências para as tintas CIN são criadas com um ano de antecedência. Ou seja, nos laboratórios da empresa, na Maia, Céline já começou a pensar no catálogo de 2014. Já começou a analisar as tendências, a fazer workshops e formações com profissionais da mesma área e a visitar feiras de decoração. «Chamo-lhe a primeira fase de observação, em que vou recolhendo material de trabalho. » Mas convém não descurar a componente pessoal. «Vou recolhendo coisas que me inspiram: revistas de estilo de vida e decoração e também estou atenta à evolução da sociedade e ao contexto atual que se vive. Temos de ver como vamos viver na nossa casa no futuro. E isso também é relativo aos tempos que vivemos. » As cores vão refletir isso tudo. Durante cerca de quatro meses, a designer de cor faz essa recolha. Depois vem a fase de atelier , onde compila todas as ideias por tipo de cor e vai definindo caminhos.

Cada cor criada é única. «As cores contam histórias até pelo nome. E eu vou criando as minhas histórias. Cada coleção conta uma história e em cada cor há também uma história. » Como a história da «cor do ano». Em 2013 é «o amarelo soleil .» «Traz luz, brilho, bom humor, alegria e energia. Também está associado ao positivismo, à criatividade. Tudo o que precisámos para este ano. »

«As cores transmitem sensações. Quando fazemos cores para espaços, damos dicas sobre como tirar maior partido delas. Por exemplo, numa cozinha, o laranja é uma cor que dizem abrir o apetite, porque está ligada à cor da vitamina C e é uma cor positiva e alegre. Nos quartos de criança ou escritórios, os azuis são positivos porque, em termos fisiológicos, são relaxantes, baixam a pulsação e ajudam a ter mais concentração. »

A cor é um guia do quotidiano. Na seleção de resíduos – verde para vidro, azul para papéis, amarelo para embalagens -, nos semáforos e em tudo o resto. As marcas sabem disso e também estudam o impacte da cor que escolhem para logótipos. Quem fez a imagem do Facebook terá pensado que o azul era uma cor universal? Céline tem a certeza que sim. «Existem estudos que dizem que é a cor preferida por mais gente em todo o mundo. É uma cor pacífica – olhe os capacetes azuis da ONU – a cor do céu e do mar… Mas há também as marcas arrojadas com vermelho, como a Coca-Cola, ou multicolores – que significa criatividade e imaginação, que arrisca, é alegre e positivo – como o Google e eBay. A cor está sempre presente na nossa vida. Até na medicina, quando o médico vê que um doente está amarelo é porque está com algum problema. E a cor da fruta e dos legumes diz-nos se estão bons para comer ou não. Esquecemo-nos muitas vezes de que, para o nosso aspirador e o nosso secador de cabelo, há um designer de cor que pensa na cor que vai ter. E fazem a cor de raiz. Na área da cosmética, esquecemo-nos também de que as cores dos cremes e das embalagens são muito importantes para definir o cliente. »

O dia a dia de Céline de Azevedo é mesmo diferente. De manhã, mal abre os olhos, as cores saltam à sua frente e transportam-se para a veia criativa da designer . Está sempre a processar todas as cores que lhe aparecem à frente. É capaz de estar a olhar para uma peça e adivinhar qual é a cor da CIN que mais se assemelha.

Céline nasceu em França há 32 anos. Filha de pais portugueses, só está em Portugal há oito anos, por isso, ainda há muitas palavras a sair em francês quando se entusiasma a falar do trabalho. «O mundo da cor para mim é apaixonante. Gosto muito disto, de criar uma cor de raiz » , diz entusiasmada a designer que tem como cor preferida o verde. «O verde é natureza e é uma grande inspiração. Posso passar horas a digitalizar folhas de árvores para encontrar um verde específico que quero desenvolver. » Mas a ideia de criação de uma nova cor pode surgir a partir de um pequeno pedaço de tecido ou até de um simples papel. «Uma vez vi um folheto de uma peça de teatro e reparei que tinha um pormenor com um verde fantástico. Guardei e levei para o laboratório para criarmos um verde. »

Quando era criança passava a vida a pintar e a desenhar. Por isso, quando acabou o ensino secundário, já sabia que a sua área era a das artes. Mas qual? Quando teve mesmo de decidir viu que os seus trabalhostinham todos um ponto comum: a cor. «Trabalhar na cor permitia-me trabalhar em todas as áreas. Tinha encontrado uma vocação. »

Licenciou-se em Artes Aplicadas e Artes Plásticas e a especialização em Design de Cor, na Universidade de Toulouse. O seu primeiro trabalho foi, em 2003, no Atelier 3D Couleur, em Paris. É um atelier de design de cor, de Jean-Philippe Lenclos, que é tido como um pioneiro na área de design de cor. «Foi um dos primeiros a fazer definições de cores para os carros, para os telemóveis e a trabalhar para grandes indústrias e a definir a construção de gamas de cores.»

Trabalhou em várias áreas como designer de cor: teve experiência nas áreas de moda, indústria, arquitetura e trabalhou em projetos de urbanismo, onde definia paletas de cores para as cidades. «Em Portugal começa a ser definido, mas em França, Espanha, Itália, Inglaterra, já há uma tradição de usar as mesmas cores que identifiquem e tornem homogéneas as pinturas das casas.»

Uma das suas maiores paixões é a cor no património edificado. Foi por isso que, quando chegou a altura de fazer um trabalho de mestrado escolheu como tema «As Cores do Centro Histórico do Porto». Sempre viveu em França mas queria ligar-se a Portugal. «E sempre quis ter algo no meu trabalho sobre as raízes do país dos meus pais. »

«Gosto de explorar o mundo, de perceber as cores ligadas às cidades, a sua simbologia e a história da cor. Em termos de cor há uma riqueza no património português e o Porto tem uma riqueza cromática enorme que queria mostrar e divulgar através do meu estudo. » « O Porto, no centro histórico, é muito marcado pelos materiais como o granito e os azulejos. Quando falamos de cor através de tintas, há muitos ocres, amarelos, muitos rosas, vermelhos e apontamentos de verde e azul, que muitas vezes encontrámos em azulejos. »

Foi quando estava no Porto, à procura de material sobre cor para o seu mestrado, que encontrou um livro que tinha uma referência à CIN. «Não conhecia a empresa e, quando fui procurar na internet, identifiquei-me logo com o projeto da marca.» Chegou a estar um mês na CIN, porque pediu ajuda para o mestrado e para o estudo das cores da cidade do Porto mas, quando acabou, regressou a França. Uns meses depois, a empresa de tintas convidou-a para ser designer de cor. É lá que trabalha há oito anos. No seu dia a dia, cria novas cores – já lançou cerca de quinhentas – , produz catálogos com as tendências, constrói coleções e faz formações de cor. Com o apoio de toda a equipa dos laboratórios da CIN, são feitas novas cores e nuances todos os anos e lançadas as suas próprias tendências.

Um português criativo (por Susana Ribeiro, em Los Angeles)

 

Todos os anos, desde 2007, a Chevrolet premeia a criatividade juvenil, com o Young Creative Chevrolet (YCC). Este ano, um português esteve no meio dos vencedores com um terceiro lugar na área de vídeo: Paulo Lima, de 20 anos, de Vila Nova de Famalicão.

 

Os olhos cor de amêndoa da menina do vídeo captam a atenção de todos. A criança apanha um ralhete da mãe e, quando é mandada de castigo para o quarto, decide pintar numa parede um desenho que a faz sonhar. O desenho, com o planeta Terra e uma nave espacial, que leva uma menina para fora de órbita, é a sua forma de ir além da sua imaginação. No final, surge a frase Open the window of your life (abra a janela da sua vida).

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Este vídeo, de Paulo Lima, que alcançou o terceiro lugar do Young Creative Chevrolet, foi o único, entre os três primeiros, que não teve uma única imagem de um carro. O que não impediu de ser premiado. Para o júri do concurso, o vídeo do jovem de Vila Nova de Famalicão apresentou uma «ótima composição e narração de histórias – emoções são capturadas de uma forma interessante».

O Young Creative Chevrolet (YCC) é um concurso de arte e design da marca de carros para estudantes de artes na Europa. A ligação da marca com o cinema vem de longe e está intimamente ligada à ideia da América no cinema (ver caixa). A Chevrolet, que comemorou no ano passado cem anos, é a maior marca da General Motors mundial, com vendas

anuais de mais de quatro milhões de veículos em mais de 140 países. É a quarta maior marca automóvel mundial em termos de vendas e tem tentado combinar design e inovação, daí a existência destes prémios. Este concurso começou em 2007. Todos os anos, jovens artistas são desafiados a trazerem novas ideias para o mercado e a criarem dentro das suas áreas, como é o caso de moda, fotografia, vídeo e artes visuais.

Este ano, estiveram representados no concurso 24 países, 280 escolas da Europa e contaram-se mais de mil participações. Na categoria de Paulo Lima, em vídeo, foram registados mais de vinte concorrentes.

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A protagonista do vídeo de Paulo é Anita. Tem 10 anos e é prima de Paulo Lima. A mulher que aparece no vídeo é Conceição, a mãe do vencedor. E certamente que ambas nunca tinham imaginado fazer parte de um vídeo que iria passar nos ecrãs de Hollywood.

Paulo Lima está a tirar o curso de Cinema da Universidade da Beira Interior, na Covilhã, e a fazer Erasmus na Faculdade de Blanquerna, da Universidade de Ramon Llull, em Barcelona.

O cinema está agora no seu dia a dia, mas nem sempre foi assim. Quando era miúdo queria ser arquiteto. «Foram influências do meu pai que é arquiteto e quando somos crianças queremos ser como os nossos pais», diz Paulo Lima.

«Durante alguns anos, estive orientado para a pintura e fiz artes visuais e foi isso que estudei no secundário. Mas tive um professor que me deu a volta.» E foi mesmo uma grande volta, porque Paulo nunca tinha gostado muito de cinema. «Não estava muito habituado a ir ao cinema e era algo a que não ligava muito.» Mas Fernando Silvestre, encenador do grupo de teatro onde Paulo participava, conseguiu mostrar-lhe um outro lado da sétima arte. «Ele gostava muito de cinema e principalmente do cinema americano. Mostrava-me filmes do Clint Eastwood e chamava a atenção para o que gostava nos filmes e comecei a prestar mais atenção e a gostar de cinema, mas ainda é algo muito recente e a minha bagagem cinematográfica é muito pequena. Mas de facto foi ele quem me impulsionou.»

Durante algum tempo fez teatro, numa companhia amadora de Vila Nova de Famalicão, o Andaime. Eram trabalhos de animação na rua, que Paulo gostava de fazer e onde se sentia à vontade, mesmo diante de tanta gente desconhecida. Faziam homenagens a escritores, por exemplo, como Mia Couto, e procuravam a interação com o público, em locais do interior como Arcos de Valdevez e Lamego. A primeira vez que ouviu recitar João Negreiros ficou apaixonado pela poesia e gostava de dizê-la. Tanto, que participou num concurso de dizer poesia e ganhou o terceiro lugar.

Tudo isso faz parte da sua vivência e tudo isso, sem saber bem como, o levou ao curso de Cinema na Universidade da Beira Interior, na Covilhã. O diretor do curso, o professor Luís Nogueira, tem por hábito enviar para os alunos e-mails de eventos, atividades, iniciativas e concursos ligados à área. Um desses e-mails era sobre o YCC e Paulo, que nunca tinha ligado a esses avisos do professor, decidiu participar. Obteve o terceiro lugar de vídeo e, no total, Paulo Lima ganhou 1200 euros pelo prémio nacional e mais dois mil pelo terceiro prémio a nível europeu.

A entrega dos prémios do YCC teve lugar em outubro, em Hollywood, Los Angeles. Paulo esteve lá. Durante três dias os vencedores conheceram a cidade e os famosos estúdios de cinema, como a Universal e a Paramount. Tiveram workshops com designers da General Motors e participaram num debate com atores, produtores e realizadores de filmes conhecidos, como Jon Landau (produtor de Avatar), Rob Cohen (realizador de The Fast and The Furious) e Ian Bryce (produtor de Transformers) que falaram dos desafios colocados à indústria do cinema nos dias de hoje.

Todos esses temas são caros a Paulo, que os sentiu, em ponto pequeno, na produção do vídeo que ganhou o prémio da Chevrolet. Andou a pensar no que haveria de fazer e decidiu meter as mãos ao trabalho. As ideias começaram a surgir em volta do conceito de «estar fechado num lugar, mas libertares-te de alguma forma», recorda, que é o que, no fundo, um carro nos faz.

«Pensei logo em alguém que se queria libertar, mesmo estando “preso” dentro de quatro paredes». Foi aí que se lembrou de fazer o vídeo com uma criança. «Porque é a altura de sermos rebeldes, e eu era uma criança rebelde e fazia muitas asneiras, e então foi daí que surgiram as ideias. É também quando tens vontade de mudar o mundo e não paras quieto», sublinha o premiado. «Na inocência da idade, há uma criança que só faz asneiras e que se quer libertar daquelas quatro paredes e cria um desenho para se libertar», reforça acrescentando a ideia de que «se calhar foi para o quarto de castigo e foi fazer uma coisa ainda pior do que a que tinha feito para a mãe lhe ralhar».

Convidou a prima Anita, de 10 anos, para fazer de protagonista e pôs a sua própria mãe, a fazer de mãe da criança. Essa proximidade às atrizes deu-lhe mais trabalho do que poderia imaginar. «Elas não são profissionais, é claro, por isso não estão preparadas para não se rirem. Essa era a parte mais complicada. Tive de as filmar em separado, mesmo quando parece que estão uma em frente à outra, porque senão não conseguia fazer o trabalho.» A ideia foi crescendo e Paulo Lima fez a planificação, o storyboard e em duas tardes filmou tudo com a sua máquina fotográfica Canon 550D. A mãe a ralhar à criança; a criança a resignar-se ao castigo de ir para o quarto; e a fazer um desenho do tamanho da parede do quarto. Esse desenho, que mostra o planeta Terra e uma menina a ser levada numa nave espacial para o espaço, foi também feito por Paulo durante uma noite. O premiado diz que essa foi a parte mais fácil. O pior foi quando teve de escolher as melhores imagens e os melhores planos. Demorou duas semanas a editar as filmagens e a fazê-las bater certo com a música original, que é também da autoria do próprio Paulo, composta toda em computador. É aliás no campo da música para filmes que está o sonho de Paulo Lima. «Gostava de compor e fazer bandas sonoras, como dobragens e o que se ouve e o que não se ouve nos filmes.» Não tem escola de música mas teve outras aulas que o ajudaram. «Já tive escola de som e algumas cadeiras de música e vou tendo alguma experiência do que vou fazendo. A música é o que dá emoção e ritmo às sequências e era mesmo isso que gostava de fazer», diz Paulo, convicto.

Já em edições anteriores foram registados vencedores portugueses. Em 2008, o 3.º lugar em fotografia e o 2.º em artes visuais; em 2010, o 1.º lugar em artes visuais; e, em 2011, o 3.º lugar em artes visuais. Foi, por isso, com Paulo Lima que Portugal conseguiu o primeiro prémio na área de vídeo.

Para ver o vídeo de Paulo Lima pode ir até www.youngcreativechevrolet.eu.

Na pele de Lobo (por Susana Ribeiro)

Podia ter sido médico ou informático, mas a paixão por coisas bonitas falou mais alto. As suas decorações e objetos estão em vários restaurantes, hotéis, lojas e casas de Portugal e do mundo. Eis Paulo Lobo, o mais famoso designer de interiores português, que começou de forma autodidata.

Nasceu há 51 anos em Lamego, mas fez do Porto a sua cidade. É casado e tem dois filhos – um rapaz de 19 anos e uma rapariga de 17. Fuma. Muito. Da lista de projetos em que o seu nome é referenciado já perdeu a conta aos números. Percebe-se. O rol é extenso e já passou os 130. A saber: o Bar Buondi, na Foz, o Cafeína, o Shis, o Bhule, o Twins, o Porto Palácio, e, em Lisboa, o recentemente reinaugurado Solar do Vinho do Porto, a nova loja do estilista Nuno Gama.

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Foto de Leonel de Castro

Muito recentemente assinou mais um projeto: Vila Vilarinha, no Porto, o seu primeiro empreendimento, moradias num condomínio fechado. E, para quem não lhe conhece a cara, mas apenas a obra, ele é o ruivo com ar entre o artista e o homem do campo que, recentemente, criou uma cadeira para Cavaco Silva. Sim, aquela em que a primeira-dama se sentou na apresentação oficial do projeto da Cadeira do Poder.

atelier de Paulo Lobo não desilude sobre a criatividade do maior designer de interiores em Portugal. Está num velho armazém de vinho do porto, na zona de Miragaia. Longe daqui, e num ambiente bem menos sofisticado, se iniciou a sua paixão pelo design, «por acaso» por volta dos 20 anos. Na altura, nem sabia bem que paixão era essa: «Tinha um gosto por coisas bonitas, mas nem sabia bem o que era aquilo. Foi apenas algo que surgiu em mim. Naquela altura tínhamos acesso a poucas coisas. Apenas ao que se via nas revistas e o que passava na televisão. Mas era muito pouco. Sempre gostei de coisas bonitas e a única coisa que conhecia na altura era precisamente a palavra “bonitas”. Era uma fase em que não se falava de design em Portugal.»

As coisas bonitas incluíam os tecidos que o pai, como é tradição na zona de Lamego, vendia nos armazéns de tecidos onde trabalhava. «Os tecidos apareciam lá em casa e eu gostava de ver as coleções e as texturas. Gostava das cores e de dar vida a cenários, por isso, era muito crítico em relação às montras dos armazéns que «eram muito cinzentas». Outra influência: da música clássica, através, também, do pai. «Claro que na altura não sabia, mas isso tudo influenciou-me depois.» Foi assim, sem saber ao certo como, que se foi envolvendo com o design. O gosto ia crescendo e também a curiosidade pelo que vinha lá de fora. «O Porto não está como estava há trinta anos. Infelizmente, não estava. Mas a mim sempre me despertaram interesse coisas que não existiam cá. E também não se viajava tanto na altura como se viaja hoje.»

Se não fosse essa paixão, hoje, Paulo Lobo poderia ser médico. «O meu pai queria que eu fosse para Medicina. Andei a frequentar um curso de espanhol para entrar na universidade em Santiago de Compostela. Mas comecei a faltar e não fui para lado nenhum. Depois, tive um amigo que me convidou para trabalhar com ele em informática, que era uma coisa nova na altura.» Não percebia nada de informática mas ia tentando. Teve uma formação na Apple, em Lisboa, e teve «a sorte» de ter o primeiro Macintosh em Portugal nas suas mãos. «Aquilo era tudo muito bonito. Mas também me fartei. Os computadores eram muito lentos e eu queria ser muito rápido.»

A indefinição do que queria fazer da vida resolver-se-ia, naturalmente, e por força das circunstâncias, como acontece muitas vezes. A namorada de Paulo Lobo – atual mulher e mãe dos dois filhos do designer – queria ter uma loja de roupa no Porto, mas não tinha orçamento para grandes mudanças ou decorações. Paulo acabou por, com um amigo, lhe produzir a loja. «Ela abriu e foi um sucesso. Muita gente que visitava o espaço perguntava quem tinha feito a produção e foi assim que tudo começou.»

Apareceram alguns convites, mas Paulo Lobo não queria voltar a trabalhar por conta de outrem. Por isso, em 1985, abriu uma loja de mobiliário, no Parque Itália, no Porto. «Vendia muito bem» e seria o seu cartão de visita. Quem a descobria queria imediatamente saber quem tinha sido o autor do design. Os convites surgiram. Nomeadamente o de António Coelho «uma referência da moda na altura», que trabalhava com o estilista Manuel Alves. «Ele gostou muito do meu trabalho e convidou-me para fazer uma loja na Foz que se chamava Cúmplice.»

Esta foi a rampa de lançamento da carreira de Paulo Lobo no design de interiores e a fama chegou quando, em 1989, fez o Buondi Café, na Foz. «Na altura era muito novo, a empresa que me tinha convidado era muito sólida.» Tinha 29 anos. O projeto foi um sucesso e «ultrapassou tudo o que estava previsto. Se se tivesse mantido aberto, ainda estaria atual». A partir daí, «deixou de ser uma brincadeira». Paulo começou a conjugar a palavra design, algo «de que ninguém falava em Portugal e que existia lá fora».

O interesse foi crescente e começou a ver como se trabalhava, junto dos operários e artesãos. «Vivi muito com essa gente toda, que me ensinou muita coisa. Primeiro a maneira de construir. Como se constrói e as técnicas. Andei muito em obra e a perceber, na Europa, o que era o design e o que era o que eu fazia. Nem eu sabia muito bem o que era.» Na verdade, sentia que era único em Portugal ou que «poucos o faziam». «Já faziam arquitetura, claro, já faziam decoração, design gráfico, arquitetura de interiores, mas não faziam designde interiores, que é uma coisa totalmente distinta. Foram muitos anos que eu considerei de aprendizagem. Aprendi a trabalhar.»

O que é o design de interiores?

Alguém que trabalha uma área criativa tem sempre um mestre, uma inspiração. Enrico Baleri é o de Paulo Lobo. «É considerado um mestre do design italiano, responsável por peças muito importantes, que me marcou e que reconheceu o meu talento e o meu trabalho aqui em Portugal e que se tornou meu amigo. É um ensinador de design, com muita alma e com um sentido de humor fantástico. Em Itália, mostrou-me como se faz muita coisa. Com ele aprendi muito.»

Foi sempre assim, na carreira de Paulo Lobo. Ele considera-se um designer por natureza. E não gosta de ser chamado decorador. «Apenas porque é uma coisa diferente. É alguém que faz decoração. Muda a cor, coloca a jarra na mesa…» A chave da diferença está no design que dá aos objetos a sua forma. «Qualquer objeto que se vê foi desenhado. Desde o secador aos óculos de sol. Alguém desenhou e esse desenho foi pensado para cumprir uma função. É a chave dos interiores. Daí a grande diferença entre design de interiores e decoração. Esta limita-se a que fique bem, o outro tem de cumprir uma função.»

Pode o leitor nunca ter pensado nisso, mas sempre que entra num centro comercial, por exemplo, vai começar a reparar que houve um designer de interiores que se esforçou por criar um ambiente convidativo para se sentir impelido a comprar. Outro dos atributos do design de interiores nesses espaços é, de certa forma, ser mais chamativo, para que grandes marcas se instalem nesse, preterindo outros centros comerciais. «O designde interiores dedica-se muito a fazer espaços públicos e tem que ver com produto e com venda. Promove, faz, cria atmosferas para se venderem a elas próprias e aos seus produtos. Restauração, hotelaria, lojas de moda que, para além do produto, vendem uma atmosfera que vende esse produto. De uma maneira geral, é isso odesign de interiores», explica Paulo Lobo.

Um dos últimos projetos internacionais de Paulo Lobo foi realizado na Corunha. Esteve na produção de um The Style Outlet – um centro comercial idêntico ao de Vila do Conde. Também já tinha feito um outro em Madrid. «O objetivo era elevar o nível de qualidade do outlet para que se instalassem lá mais marcas de prestígio. O que foi conseguido com sucesso no de Vila do Conde. As lojas estão mais bem tratadas e quase chegam a ser como lojas normais de centros comerciais e não como lojas de outlet. O da Corunha é parecido com este. E o princípio é o mesmo.»

Paulo Lobo gosta de morar no Porto e não trocava por nenhuma outra cidade. Até porque, diz, contribuiu para a mudança da cidade com os seus projetos. E qual o que mais o desafiou? «Nenhum em especial. O Buondi sim, porque era muito novinho quando o fiz. Mas são todos um desafio, há uns mais fáceis outros menos. Outros mais complicados. Mas não há nenhum especial.»

A maior parte dos projetos do designer estão no Porto. Mas também os tem em Lisboa, Espanha, Itália, Suíça e Polónia. São mais de 130. Muitos mais. Mas Paulo Lobo já parou de os contar há muito. Um dia há de fazê-lo, promete. Nos internacionais, destaca um em Pescara, Itália: o restaurante Thomas Café. E, em San Sebastian, uma loja pequena para o conhecido estilista Manuel Pertega, que desenhou o vestido de casamento da princesa Letícia, em Espanha.

Os projetos

O processo de trabalho no seu atelier é sempre o mesmo e tem tanto que ver com marketing como comdesign. «As pessoas vêm com uma ideia daquilo que querem abrir e as razões. Passam por um programa, para descobrir qual é o público alvo, e esperam que eu desenvolva qualquer coisa que lhes traga sucesso. E o sucesso delas é naturalmente o meu.» Ainda lhe mói um pouco o juízo o facto de fazer um projeto com um objetivo definido e, depois, os donos do espaço alterarem tudo. «Agora não me incomoda tanto. Ou pelo menos tento passar por cima disso.»

No seu gabinete, realiza em média dez projetos por ano. E não tem dúvidas. A parte mais desgastante desta profissão «é negociar com os clientes». Não pelas negociações de preços, até porque Paulo Lobo diz ter um certo gozo em fazer projetos low-cost, sendo isso «um desafio». Mas pelos diferentes tipos de clientes que encontra pela frente. «Há os que sabem criticar e os que não sabem. Tentamos levar as coisas até ao fim mas, às vezes, envolve muita gente e é um processo complicado.» Para fazer design de interiores de casas diz ser preciso ainda uma dose extra de paciência. «É preciso que a base seja boa e o cliente também. As casas são diferentes. Não têm um produto que pretende ser vencedor. Têm uma família, com filhos, avó, sogra, e as pessoas envolvem-se muito… E eu não tenho muita paciência porque o processo torna-se mais lento.»

Por ter conseguido uma carreira a pulso, descobrindo de forma autodidata o seu caminho no design, fica irritado com alguns jovens designers que lhe aparecem pela frente e, diz, não sabem sequer as bases. «A interpretação entre forma e função é a chave do design e de qualquer produto de design. Acho incrível como existem pessoas, que são formadas nesta área, e não sabem o que isso é. Há gente nova com qualidade e outra que não sabe o que é o design. Estes últimos apenas imitam bem. Mas há um dia em que imitar não basta.»

Estilo minimalista?

A Paulo Lobo foram-lhe atribuídos vários estilos ao longo da carreira. Um deles o minimalista. «É verdade que tenho algumas coisas minimalistas de antigamente. As influências de hoje são muito baseadas na utilização de técnicas artesanais. É uma coisa que me interessa, não sei se é pela idade e pelas tendências internacionais. Hoje em dia querem-se coisas mais humanas. Quando se toca na peça sabe-se que houve alguém que fez aquilo à mão, a personalidade e a técnica de um artesão estão lá.»

Já teve várias lojas com objetos desenhados pelo designer e também por designers internacionais. Na altura eram novidade. «Era um apetite ter essas coisas cá na altura, porque não havia em mais lado nenhum.» Atualmente, Paulo Lobo tem a Lobo Taste e a Hats & CATS, no Porto. Na Lobo Taste, os produtos têm «técnicas puras do artesanato. Podemos ter peças de alguém que trabalha cestaria e que possa aparecer com a mesma técnica num biombo ou num painel. É algo que me interessa, mas também é uma tendência internacional».

Vai às feiras internacionais de design e lê as revistas todas da área. «Absolutamente tudo. Desde as revistas de moda, à música que teve sempre influência em mim. Gosto da world music. Gosto de apreciar a fusão de música tradicional com outros estilos. Depende do estado de espírito, mas gosto de muita música diferente.» Quando era miúdo gostava muito dos Stones e gostava de ter aprendido a tocar piano. Agora, comprar discos é um dos seus prazeres secretos. Um sonho? «Gostava de ter a melhor aparelhagem do mundo.» Confessa que não lê muito, gosta pouco de ir ao cinema «porque já só existem os de shopping» e o cheiro a pipocas incomoda-o. É tudo, como no design, uma questão de sensibilidade.

Nova loja na Ribeira

Acabou de abrir a nova Paulo Lobo no Porto. O novo espaço vai chamar-se Hats & CATS e fica na Ribeira do Porto, na Rua do Infante Dom Henrique. O nome tem um significado próprio. Hats – porque os chapéus, diversos e de todo o mundo vão estar em destaque – & CATS – significa Cosmopolitan Articles Tradition and Simplicity.

Enquanto a outra loja do designer, a Lobo Taste, junto à Bolsa, no Porto, apresenta produtos portugueses, esta tem como objetivo comercializar principalmente produtos de todo o mundo. «Desde acessórios de moda até peças de decoração, desde o Sri Lanka até Nova Iorque, por exemplo, dando destaque a muitos produtos artesanais», explicou Paulo Lobo à Notícias Magazine.

 

Entrevista de 2012

Havai, Austrália… e Nazaré?

por Susana Ribeiro. Fotografia de Henriques da Cunha/GI

E de repente a Nazaré está nas bocas do mundo. Toda a gente fala da onda de quase trinta metros que Garrett McNamara surfou a 1 de Novembro. Qualquer coisa como um prédio de dez andares. O vídeo já correu mundo e os surfistas de grandes ondas estão entusiasmados com esta «nova» meca do surf em Portugal.

Mas as ondas não surgiram agora. Nada disso. As ondas grandes sempre fizeram parte da paisagem da Nazaré, assim como as condições únicas da Praia do Norte, influenciada pelo chamado canhão da Nazaré [ver caixa]. Muito provavelmente, haverá quem diga que já surfou ondas desse tamanho naquele local. A única diferença é que esta ficou filmada, documentada, e faz parte de um projecto de três anos que a Câmara Municipal da Nazaré está a levar muito a sério e que pretende que seja uma preciosa ajuda na promoção turística da região a nível mundial.

A ideia de que seria na Praia do Norte que apanharia a maior onda da sua vida foi sempre uma certeza para Garrett McNamara. Só não sabia quando. Este havaino de 44 anos é conhecido por ser um big wave rider – um surfista especialista em ondas grandes. Entre os seus locais de aventuras está o Alasca, com ondas produzidas pela queda de blocos de gelo dos glaciares. «Uma loucura que não voltava a repetir.»

A noção de quem enfrenta perigos sempre que se faz a uma destas ondas é notória. Mas o medo é algo que não lhe assiste. «Quando estou no mar não penso no medo.» Sobre a famosa onda de trinta metros diz que «a força era tanta que senti como se tijolos me estivessem a cair sobre as costas». Nas imagens que correram mundo, vê-se Garrett numa cavalgada frenética a descer a onda, depois quase desaparece no meio da espuma e de repente surge em pose relaxada. Esta é a sua especialidade. É um extreme waterman explorer e já recebeu vários prémios para quem desafia ondas grandes. Na corrida ao Billabong XXL Global Big Wave Awards 2012 – uma espécie de «óscares» do surf de ondas grandes – McNamara tem várias ondas a concurso para a categoria de Maior Onda, incluindo, claro, a que apanhou na Praia do Norte, na Nazaré, a 1 de Novembro. É a primeira vez que ondas portuguesas são referenciadas neste galardão.

Garrett é pessoa de vida simples. No seu dia-a-dia normal levanta-se às cinco da manhã: «Faço uma oração, leio, faço alongamentos e vou ver o mar.» O seu nome anda na boca do mundo, já deu entrevistas a vários meios de comunicação internacionais por causa da onda nazarena, da CNN aos media portugueses. Ainda assim, mantém o estilo descontraído: chinelos, T-shirt branca, calças de fato de treino e boné.

Colocar a Nazaré no mapa

Pedro Pisco, da Nazaré Qualifica, a empresa municipal criada em 2007 que tem gerido os projectos de exploração do canhão da Nazaré, quase nem acredita na projecção que a localidade está a ter. As ondas surfadas por McNamara vieram dar uma ajuda preciosa.

Tudo começou, em 2005, com uma fotografia às ondas da Praia do Norte que Dino Casimiro, também funcionário da autarquia, tirou e decidiu enviar a alguns surfistas de ondas grandes, entre os quais Garrett. O havaiano ficou logo interessado, mas desconhecia a existência das ondas da Nazaré: «Era o segredo mais bem guardado do mundo. Ouvia falar de outras ondas noutros países da Europa, mas não de Portugal e nunca tinha ouvido falar da Nazaré.»

Note-se que o surf na Praia do Norte não é para todos. Para surfar neste spot, Garrett pratica o tow in, ou seja, é levado de mota de água até à onda, para lá da rebentação. A mota é também um apoio muito importante quando se desafia a morte sempre que apanha uma onda. «A profundidade da água é boa, mas se cair, a areia do fundo é como cimento», lembra.

«Enviámos aquela fotografia com alguma inocência, só para mostrar», conta Pedro Pisco. «Mas vimos que era um potencial que nos passava completamente ao lado. Foi então que decidimos que queríamos abrir este mercado, não só ao surf, mas ao turismo em geral.» Formalizaram depois o convite para Garrett vir à Nazaré. A primeira acção começou no ano passado, para ver se havia condições de explorar este fenómeno natural da Praia do Norte que pretende projectar a Nazaré mundialmente entre os praticantes de desportos de água. Agora há um segundo trabalho em curso e, no próximo ano, a Praia do Norte vai receber uma prova internacional, a North Canyon Tow In Trials.

De câmara em punho

Desde o início do projecto que existiu a preocupação de documentar toda a acção. Já no ano passado se tinham realizado filmagens que resultaram num primeiro documentário, com o apoio da Zon, que tem as imagens disponíveis em video on demand. São 52 minutos de filme sobre a Nazaré e a exploração das ondas grandes da Praia do Norte por Garrett McNamara. No total do projecto, existirão três documentários. E se o primeiro deles, exibido no mês passado em algumas salas de Lisboa e do Porto, foi feito sem pensar que teria tanta projecção, agora, as contas são outras. Este ano, a equipa cresceu e acompanha em permanência os passos e as surfadas de McNamara em Portugal.

O segundo documentário contará com o trabalho de Jorge Leal, Wilson Ribeiro, Ivo Correia e Gustavo Neves, um brasileiro de 25 anos que há dois se dedica a esta empreitada. Quando chegou a Portugal, um amigo da Zon tinha um vídeo em alta definição com as imagens realizadas na expedição de Garrett McNamara no ano passado. «Olhei e achei muito interessante. Em Janeiro comecei a editar e em Agosto, concluí o documentário.»

Envolvido desde o início neste projecto de exploração com Garrett McNamara está Jorge Leal, fotógrafo que captou as imagens do ano passado. Os vídeos – a par da fotografia – pretendiam dar a conhecer «o tow in feito nas condições extremas que a Praia do Norte proporciona. São situações únicas, como se viu com a onda de trinta metros», adianta.

Como alguns membros da equipa de filmagem também surfam, é inevitável perguntar-lhes se, quando vêm as ondas, não têm vontade de largar tudo e correr para a água com as pranchas. A resposta é rápida e unânime: não! «É preciso ser muito experiente neste tipo de ondas e no tow in, como o Garrett. É ter preparação física e uma experiência forte para lidar com a força desta onda. Podemos perder a vida ali», atiram todos para a conversa.

«Quando estávamos a filmar e a fotografar vimos logo que aquela era uma onda especial. Aliás, apareceram dois sets muito especiais, com ondas entre os oito e os dez metros, mais ou menos constantes, mas aquela surpreendeu todos e o Garrett apanhou a maior. Vimos logo que era uma onda para concorrer às maiores do mundo», conta Jorge Leal, recordando a onda de 1 de Novembro que viu através da lente da sua câmara. «O potencial da Praia do Norte para os big wave riders é enorme. O CJ Macias, que está a aprender com o Garrett, já conseguiu apanhar uma onda que está no quadro da Billabong XXL. E é a primeira vez que vem para aqui!», salienta o fotógrafo.

A importância deste trabalho é salientada também pelo documentarista Gustavo Neves: «Geralmente os filmes de surf são sobre viagens, este é mais profundo, onde também focamos a região e o canhão da Nazaré. Estamos aqui todos os dias a acompanhar o projecto e mostrámos nas imagens todo o tipo de mar, desde ondas de um metro a mais de vinte metros e agora a onda gigante.»

«O próprio Garrett faz pesquisa à procura de ondas de cem pés [trinta metros], uma espécie de Santo Graal dos big wave riders», conta Pedro Pisco. No dia em que apanhou a onda – que na realidade tinha noventa pés [27 metros] – McNamara não imaginava que seria o seu dia de sorte. Estava dentro de água, sem saber o que o esperava, «muito relaxado». Ao contar a experiência de surfar a onda gigante, diz que não pensou em nada de concreto: «Só depois percebi que era uma onda especial. O vento era tão forte dentro da onda que não ouvia nada. É uma onda muito misteriosa e muito mágica. Nunca sabemos o que vai aparecer lá fora.»

O projecto de exploração das potencialidades da Nazaré e da Praia do Norte foi delineado para três anos, mas «com este sucesso já estamos a pensar muito mais à frente», conta Pedro Pisco. O investimento é de privados, por isso, a Câmara Municipal contou sempre com apoios, e também de «muitos nazarenos que acreditam e, agora, estão a ter o retorno». No âmbito do projecto, está ainda prevista a construção de um Centro de Alto Rendimento de Surf, que inclui treino de resgate e salvamento aquático, um projecto de educação ambiental e um Museu de Ondas Grandes. Tudo com a chancela de Garrett McNamara.

O canhão da Nazaré

O segredo das ondas gigantes na Praia do Norte vem do fenómeno conhecido como canhão da Nazaré e que proporciona a criação de ondas com um tamanho fora do normal. De acordo com o Instituto Hidrográfico da Marinha Portuguesa – que mantém um estudo permanente no local com bóias de monitorização – «a proximidade do canhão da Nazaré à Praia do Norte promove uma situação de empolamento com intensidade significativa». Condições que, com o vento e a direcção de ondulação certos, produzem as «ondas perfeitas» de que Garrett McNamara fala.

Este é um acidente geomorfológico raro, tido como o maior da Europa e um dos maiores do mundo. O «canhão da Nazaré é uma falha na placa continental com cerca de 170 quilómetros de comprimento e que atinge os cinco quilómetros de profundidade. Está localizado em frente à Praia do Norte e canaliza a ondulação do oceano Atlântico para esta praia praticamente sem obstáculos, proporcionando a criação de ondas com um tamanho fora do normal, por comparação com a restante costa portuguesa.