O Michelin das pizas

Michelin das pizasSe sonha em comer a verdadeira piza napolitana e não pode viajar até Itália, tem de ir a Matosinhos. É lá que está o único espaço em Portugal com a certificação da «verdadeira piza napolitana». Em outubro, o restaurante Pulcinella e o pizzaiolo Antonio Mezzero vão representar Portugal no campeonato onde se escolhe a melhor piza da Europa.

Ainda não são oito da noite e a fila da pizaria Pulcinella, em Matosinhos, já vem até à rua. Aqui não há reserva de mesa e quem espera… espera. O objetivo vale a pena: provar as pizas tal como nasceram em Nápoles. Dentro do balcão, incansável a amassar pizas, está um maestro pizzaiolo veramente napoletano. É Antonio Mezzero, italiano de Nápoles, com 30 anos, a viver em Portugal desde 2008. Foi ele quem conseguiu a proeza de ter a sua pizaria Pulcinella inscrita na lista de locais que servem a verdadeira piza napolitana em todo o mundo. Ter essa certificação é, para os pizzaioli, tão importante como uma estrela Michelin para os chefs em todo o mundo.

Foi em maio deste ano que chegou o papel que atesta que a Pulcinella é casa que serve a piza seguindo a tradição napolitana. As regras explica-as o mestre: «O menu tem de ter as pizas mais antigas, a clássica marguerita e a marinara. Eram as que existiam no início, quando surgiram as pizas.» Está exposta, com destaque, a certificação do Pulcinella com vera pizza napoletana, assinada pela Associação da Verdadeira Piza Napolitana [ver caixa]. Está também exposta uma camisola do clube de futebol Nápoles com o número 437: o lugar de Pulcinella entre as pizarias certificadas no mundo. Mais de metade são em Itália. Mezzero está ainda na lista dos cinquenta melhores pizzaioli do mundo.

Não obstante tamanho orgulho, Mezzero quer inovar e, mais do que isso, quer dignificar o nome de Portugal nos campeonatos, europeu e mundial, entre pizzaioli de todo o mundo. É a sua forma de homenagear Portugal, o país onde conseguiu vingar num trabalho que faz desde criança.

Foi aos 12 anos que fez a primeira piza. Vivia na Alemanha, onde aliás cresceu até se mudar para o Porto, e o pai, dono de uma pizaria, precisou de ajuda na cozinha. «Estava com o meu irmão gémeo, na rua a jogar futebol, e eles chamou-nos porque tinha faltado um empregado – que depois vim a saber era de Campanhã! Então… ele chamou-nos e ensinou-nos como se fazia a massa e se trabalhava. Só explicou uma vez. Se errássemos ou brincássemos, apanhávamos logo um calduço. E foi assim que aprendi», recorda.

Uma semana depois, estava a fazer 280 pizas, ajudando o tal mestre português. Pode ter começado como obrigação, mas não é preciso falar muito tempo com Mezzero para perceber que depressa se tornou uma paixão o que faz. «Estou a realizar o meu sonho. Estou agora focado nos campeonatos porque quero colocar o nome de Portugal nos píncaros, entre os maiores pizzaioli mundiais. Se ganhar vai ser uma forma de agradecer ao país que me acolheu e me permitiu realizar o meu sonho», diz. Vai participar no Campeonato Europeu, nos dias 21 e 22 deste mês, em Milão, onde vai ser escolhida a melhor piza da Europa.

Enquanto sonha com um lugar entre os três primeiros, o mestre diz que vai apresentar uma piza original, mas não pode revelar o seu segredo, apenas adiantando que será «clássica gourmet». O campeonato mundial vai acontecer em 2014, em Parma, e tem seiscentos participantes.

Neste último, os prémios são tão diversos como: o pizzaiolo mais organizado, a piza mais larga, o mais acrobático, entre outros. Mezzero é um alquimista da piza napolitana. O processo de fazer a massa é artesanal, e é só ele que a faz. «Ninguém mais mexe na massa. Mas a piza napolitana não tem segredos: é farinha, água, fermentação… O segredo é a experiência. Tudo o que é bom demora tempo. A piza demora um minuto a fazer, mas para a massa demora horas a quebrar os ossos das mãos», explica, ainda com sotaque italiano.

Antonio Mezzero ficou mais conhecido na celebração dos 250 anos da Torre dos Clérigos (monumento do italiano Nicolau Nasoni), a 26 de maio deste ano, assinalados pela Associação dos Italianos em Portugal com uma piza de cinco metros, confecionada por este pizzaiolo.

Este italiano, que venera Maradona e tem uma paixão por motos italianas, especialmente pelas Ducati, quer continuar a destacar-se. «Gostava mesmo de ganhar nos campeonatos. Primeiro o europeu e depois o mundial. Ou pelo menos ficar nos primeiros lugares. Já viram o que era dizer que a melhor piza da Europa está em Matosinhos, Portugal? Era um orgulho. Um sonho.»

A VERDADEIRA PIZA

Corria o ano de 1982 quando, em Nápoles, Itália, foi criada a Associação da Verdadeira Piza Napolitana (em italiano, Associazione Verace Pizza Napoletana). «A única associação sem fins lucrativos que defende e promove a cultura da verdadeira piza napolitana no mundo.» A sua missão é promover a piza napolitana, fazendo respeitar as normas e caraterísticas, para que seja feita tal como manda a tradição.

Pode o leitor pensar que todas as pizas terão então distinções. Não. A piza napolitana é a única registada no mundo. Para conseguir a certificação é necessário muito trabalho e estudo. Antonio Mezzero teve de enviar vídeos de como fazia as suas pizas e tudo é analisado: se a loja tem alvará; se o espaço é só de pizas (não pode ter pastas e massas); se tem as pizas clássicas na ementa; como é o forno a lenha; como é feita a fermentação da massa; entre muitas outras caraterísticas.

Depois é analisada a candidatura in loco pela associação AVPN e só depois surge o resultado da avaliação. Mezzero é agora responsável por avaliar outras pizarias, em Portugal, que queiram ter «a verdadeira piza napolitana». Em breve, na Pulcinella vai ter workshops para ensinar a fazer pizas e até podem contar com os ensinamentos de Girogio Giove, que é o campeão do mundo de piza acrobática.

 

Texto: Susana Ribeiro

Fotos: Artur Machado / Global Imagens

Publicado na Notícias Magazine de 13 de outubro de 2013

Um português criativo (por Susana Ribeiro, em Los Angeles)

 

Todos os anos, desde 2007, a Chevrolet premeia a criatividade juvenil, com o Young Creative Chevrolet (YCC). Este ano, um português esteve no meio dos vencedores com um terceiro lugar na área de vídeo: Paulo Lima, de 20 anos, de Vila Nova de Famalicão.

 

Os olhos cor de amêndoa da menina do vídeo captam a atenção de todos. A criança apanha um ralhete da mãe e, quando é mandada de castigo para o quarto, decide pintar numa parede um desenho que a faz sonhar. O desenho, com o planeta Terra e uma nave espacial, que leva uma menina para fora de órbita, é a sua forma de ir além da sua imaginação. No final, surge a frase Open the window of your life (abra a janela da sua vida).

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Este vídeo, de Paulo Lima, que alcançou o terceiro lugar do Young Creative Chevrolet, foi o único, entre os três primeiros, que não teve uma única imagem de um carro. O que não impediu de ser premiado. Para o júri do concurso, o vídeo do jovem de Vila Nova de Famalicão apresentou uma «ótima composição e narração de histórias – emoções são capturadas de uma forma interessante».

O Young Creative Chevrolet (YCC) é um concurso de arte e design da marca de carros para estudantes de artes na Europa. A ligação da marca com o cinema vem de longe e está intimamente ligada à ideia da América no cinema (ver caixa). A Chevrolet, que comemorou no ano passado cem anos, é a maior marca da General Motors mundial, com vendas

anuais de mais de quatro milhões de veículos em mais de 140 países. É a quarta maior marca automóvel mundial em termos de vendas e tem tentado combinar design e inovação, daí a existência destes prémios. Este concurso começou em 2007. Todos os anos, jovens artistas são desafiados a trazerem novas ideias para o mercado e a criarem dentro das suas áreas, como é o caso de moda, fotografia, vídeo e artes visuais.

Este ano, estiveram representados no concurso 24 países, 280 escolas da Europa e contaram-se mais de mil participações. Na categoria de Paulo Lima, em vídeo, foram registados mais de vinte concorrentes.

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A protagonista do vídeo de Paulo é Anita. Tem 10 anos e é prima de Paulo Lima. A mulher que aparece no vídeo é Conceição, a mãe do vencedor. E certamente que ambas nunca tinham imaginado fazer parte de um vídeo que iria passar nos ecrãs de Hollywood.

Paulo Lima está a tirar o curso de Cinema da Universidade da Beira Interior, na Covilhã, e a fazer Erasmus na Faculdade de Blanquerna, da Universidade de Ramon Llull, em Barcelona.

O cinema está agora no seu dia a dia, mas nem sempre foi assim. Quando era miúdo queria ser arquiteto. «Foram influências do meu pai que é arquiteto e quando somos crianças queremos ser como os nossos pais», diz Paulo Lima.

«Durante alguns anos, estive orientado para a pintura e fiz artes visuais e foi isso que estudei no secundário. Mas tive um professor que me deu a volta.» E foi mesmo uma grande volta, porque Paulo nunca tinha gostado muito de cinema. «Não estava muito habituado a ir ao cinema e era algo a que não ligava muito.» Mas Fernando Silvestre, encenador do grupo de teatro onde Paulo participava, conseguiu mostrar-lhe um outro lado da sétima arte. «Ele gostava muito de cinema e principalmente do cinema americano. Mostrava-me filmes do Clint Eastwood e chamava a atenção para o que gostava nos filmes e comecei a prestar mais atenção e a gostar de cinema, mas ainda é algo muito recente e a minha bagagem cinematográfica é muito pequena. Mas de facto foi ele quem me impulsionou.»

Durante algum tempo fez teatro, numa companhia amadora de Vila Nova de Famalicão, o Andaime. Eram trabalhos de animação na rua, que Paulo gostava de fazer e onde se sentia à vontade, mesmo diante de tanta gente desconhecida. Faziam homenagens a escritores, por exemplo, como Mia Couto, e procuravam a interação com o público, em locais do interior como Arcos de Valdevez e Lamego. A primeira vez que ouviu recitar João Negreiros ficou apaixonado pela poesia e gostava de dizê-la. Tanto, que participou num concurso de dizer poesia e ganhou o terceiro lugar.

Tudo isso faz parte da sua vivência e tudo isso, sem saber bem como, o levou ao curso de Cinema na Universidade da Beira Interior, na Covilhã. O diretor do curso, o professor Luís Nogueira, tem por hábito enviar para os alunos e-mails de eventos, atividades, iniciativas e concursos ligados à área. Um desses e-mails era sobre o YCC e Paulo, que nunca tinha ligado a esses avisos do professor, decidiu participar. Obteve o terceiro lugar de vídeo e, no total, Paulo Lima ganhou 1200 euros pelo prémio nacional e mais dois mil pelo terceiro prémio a nível europeu.

A entrega dos prémios do YCC teve lugar em outubro, em Hollywood, Los Angeles. Paulo esteve lá. Durante três dias os vencedores conheceram a cidade e os famosos estúdios de cinema, como a Universal e a Paramount. Tiveram workshops com designers da General Motors e participaram num debate com atores, produtores e realizadores de filmes conhecidos, como Jon Landau (produtor de Avatar), Rob Cohen (realizador de The Fast and The Furious) e Ian Bryce (produtor de Transformers) que falaram dos desafios colocados à indústria do cinema nos dias de hoje.

Todos esses temas são caros a Paulo, que os sentiu, em ponto pequeno, na produção do vídeo que ganhou o prémio da Chevrolet. Andou a pensar no que haveria de fazer e decidiu meter as mãos ao trabalho. As ideias começaram a surgir em volta do conceito de «estar fechado num lugar, mas libertares-te de alguma forma», recorda, que é o que, no fundo, um carro nos faz.

«Pensei logo em alguém que se queria libertar, mesmo estando “preso” dentro de quatro paredes». Foi aí que se lembrou de fazer o vídeo com uma criança. «Porque é a altura de sermos rebeldes, e eu era uma criança rebelde e fazia muitas asneiras, e então foi daí que surgiram as ideias. É também quando tens vontade de mudar o mundo e não paras quieto», sublinha o premiado. «Na inocência da idade, há uma criança que só faz asneiras e que se quer libertar daquelas quatro paredes e cria um desenho para se libertar», reforça acrescentando a ideia de que «se calhar foi para o quarto de castigo e foi fazer uma coisa ainda pior do que a que tinha feito para a mãe lhe ralhar».

Convidou a prima Anita, de 10 anos, para fazer de protagonista e pôs a sua própria mãe, a fazer de mãe da criança. Essa proximidade às atrizes deu-lhe mais trabalho do que poderia imaginar. «Elas não são profissionais, é claro, por isso não estão preparadas para não se rirem. Essa era a parte mais complicada. Tive de as filmar em separado, mesmo quando parece que estão uma em frente à outra, porque senão não conseguia fazer o trabalho.» A ideia foi crescendo e Paulo Lima fez a planificação, o storyboard e em duas tardes filmou tudo com a sua máquina fotográfica Canon 550D. A mãe a ralhar à criança; a criança a resignar-se ao castigo de ir para o quarto; e a fazer um desenho do tamanho da parede do quarto. Esse desenho, que mostra o planeta Terra e uma menina a ser levada numa nave espacial para o espaço, foi também feito por Paulo durante uma noite. O premiado diz que essa foi a parte mais fácil. O pior foi quando teve de escolher as melhores imagens e os melhores planos. Demorou duas semanas a editar as filmagens e a fazê-las bater certo com a música original, que é também da autoria do próprio Paulo, composta toda em computador. É aliás no campo da música para filmes que está o sonho de Paulo Lima. «Gostava de compor e fazer bandas sonoras, como dobragens e o que se ouve e o que não se ouve nos filmes.» Não tem escola de música mas teve outras aulas que o ajudaram. «Já tive escola de som e algumas cadeiras de música e vou tendo alguma experiência do que vou fazendo. A música é o que dá emoção e ritmo às sequências e era mesmo isso que gostava de fazer», diz Paulo, convicto.

Já em edições anteriores foram registados vencedores portugueses. Em 2008, o 3.º lugar em fotografia e o 2.º em artes visuais; em 2010, o 1.º lugar em artes visuais; e, em 2011, o 3.º lugar em artes visuais. Foi, por isso, com Paulo Lima que Portugal conseguiu o primeiro prémio na área de vídeo.

Para ver o vídeo de Paulo Lima pode ir até www.youngcreativechevrolet.eu.

Havai, Austrália… e Nazaré?

por Susana Ribeiro. Fotografia de Henriques da Cunha/GI

E de repente a Nazaré está nas bocas do mundo. Toda a gente fala da onda de quase trinta metros que Garrett McNamara surfou a 1 de Novembro. Qualquer coisa como um prédio de dez andares. O vídeo já correu mundo e os surfistas de grandes ondas estão entusiasmados com esta «nova» meca do surf em Portugal.

Mas as ondas não surgiram agora. Nada disso. As ondas grandes sempre fizeram parte da paisagem da Nazaré, assim como as condições únicas da Praia do Norte, influenciada pelo chamado canhão da Nazaré [ver caixa]. Muito provavelmente, haverá quem diga que já surfou ondas desse tamanho naquele local. A única diferença é que esta ficou filmada, documentada, e faz parte de um projecto de três anos que a Câmara Municipal da Nazaré está a levar muito a sério e que pretende que seja uma preciosa ajuda na promoção turística da região a nível mundial.

A ideia de que seria na Praia do Norte que apanharia a maior onda da sua vida foi sempre uma certeza para Garrett McNamara. Só não sabia quando. Este havaino de 44 anos é conhecido por ser um big wave rider – um surfista especialista em ondas grandes. Entre os seus locais de aventuras está o Alasca, com ondas produzidas pela queda de blocos de gelo dos glaciares. «Uma loucura que não voltava a repetir.»

A noção de quem enfrenta perigos sempre que se faz a uma destas ondas é notória. Mas o medo é algo que não lhe assiste. «Quando estou no mar não penso no medo.» Sobre a famosa onda de trinta metros diz que «a força era tanta que senti como se tijolos me estivessem a cair sobre as costas». Nas imagens que correram mundo, vê-se Garrett numa cavalgada frenética a descer a onda, depois quase desaparece no meio da espuma e de repente surge em pose relaxada. Esta é a sua especialidade. É um extreme waterman explorer e já recebeu vários prémios para quem desafia ondas grandes. Na corrida ao Billabong XXL Global Big Wave Awards 2012 – uma espécie de «óscares» do surf de ondas grandes – McNamara tem várias ondas a concurso para a categoria de Maior Onda, incluindo, claro, a que apanhou na Praia do Norte, na Nazaré, a 1 de Novembro. É a primeira vez que ondas portuguesas são referenciadas neste galardão.

Garrett é pessoa de vida simples. No seu dia-a-dia normal levanta-se às cinco da manhã: «Faço uma oração, leio, faço alongamentos e vou ver o mar.» O seu nome anda na boca do mundo, já deu entrevistas a vários meios de comunicação internacionais por causa da onda nazarena, da CNN aos media portugueses. Ainda assim, mantém o estilo descontraído: chinelos, T-shirt branca, calças de fato de treino e boné.

Colocar a Nazaré no mapa

Pedro Pisco, da Nazaré Qualifica, a empresa municipal criada em 2007 que tem gerido os projectos de exploração do canhão da Nazaré, quase nem acredita na projecção que a localidade está a ter. As ondas surfadas por McNamara vieram dar uma ajuda preciosa.

Tudo começou, em 2005, com uma fotografia às ondas da Praia do Norte que Dino Casimiro, também funcionário da autarquia, tirou e decidiu enviar a alguns surfistas de ondas grandes, entre os quais Garrett. O havaiano ficou logo interessado, mas desconhecia a existência das ondas da Nazaré: «Era o segredo mais bem guardado do mundo. Ouvia falar de outras ondas noutros países da Europa, mas não de Portugal e nunca tinha ouvido falar da Nazaré.»

Note-se que o surf na Praia do Norte não é para todos. Para surfar neste spot, Garrett pratica o tow in, ou seja, é levado de mota de água até à onda, para lá da rebentação. A mota é também um apoio muito importante quando se desafia a morte sempre que apanha uma onda. «A profundidade da água é boa, mas se cair, a areia do fundo é como cimento», lembra.

«Enviámos aquela fotografia com alguma inocência, só para mostrar», conta Pedro Pisco. «Mas vimos que era um potencial que nos passava completamente ao lado. Foi então que decidimos que queríamos abrir este mercado, não só ao surf, mas ao turismo em geral.» Formalizaram depois o convite para Garrett vir à Nazaré. A primeira acção começou no ano passado, para ver se havia condições de explorar este fenómeno natural da Praia do Norte que pretende projectar a Nazaré mundialmente entre os praticantes de desportos de água. Agora há um segundo trabalho em curso e, no próximo ano, a Praia do Norte vai receber uma prova internacional, a North Canyon Tow In Trials.

De câmara em punho

Desde o início do projecto que existiu a preocupação de documentar toda a acção. Já no ano passado se tinham realizado filmagens que resultaram num primeiro documentário, com o apoio da Zon, que tem as imagens disponíveis em video on demand. São 52 minutos de filme sobre a Nazaré e a exploração das ondas grandes da Praia do Norte por Garrett McNamara. No total do projecto, existirão três documentários. E se o primeiro deles, exibido no mês passado em algumas salas de Lisboa e do Porto, foi feito sem pensar que teria tanta projecção, agora, as contas são outras. Este ano, a equipa cresceu e acompanha em permanência os passos e as surfadas de McNamara em Portugal.

O segundo documentário contará com o trabalho de Jorge Leal, Wilson Ribeiro, Ivo Correia e Gustavo Neves, um brasileiro de 25 anos que há dois se dedica a esta empreitada. Quando chegou a Portugal, um amigo da Zon tinha um vídeo em alta definição com as imagens realizadas na expedição de Garrett McNamara no ano passado. «Olhei e achei muito interessante. Em Janeiro comecei a editar e em Agosto, concluí o documentário.»

Envolvido desde o início neste projecto de exploração com Garrett McNamara está Jorge Leal, fotógrafo que captou as imagens do ano passado. Os vídeos – a par da fotografia – pretendiam dar a conhecer «o tow in feito nas condições extremas que a Praia do Norte proporciona. São situações únicas, como se viu com a onda de trinta metros», adianta.

Como alguns membros da equipa de filmagem também surfam, é inevitável perguntar-lhes se, quando vêm as ondas, não têm vontade de largar tudo e correr para a água com as pranchas. A resposta é rápida e unânime: não! «É preciso ser muito experiente neste tipo de ondas e no tow in, como o Garrett. É ter preparação física e uma experiência forte para lidar com a força desta onda. Podemos perder a vida ali», atiram todos para a conversa.

«Quando estávamos a filmar e a fotografar vimos logo que aquela era uma onda especial. Aliás, apareceram dois sets muito especiais, com ondas entre os oito e os dez metros, mais ou menos constantes, mas aquela surpreendeu todos e o Garrett apanhou a maior. Vimos logo que era uma onda para concorrer às maiores do mundo», conta Jorge Leal, recordando a onda de 1 de Novembro que viu através da lente da sua câmara. «O potencial da Praia do Norte para os big wave riders é enorme. O CJ Macias, que está a aprender com o Garrett, já conseguiu apanhar uma onda que está no quadro da Billabong XXL. E é a primeira vez que vem para aqui!», salienta o fotógrafo.

A importância deste trabalho é salientada também pelo documentarista Gustavo Neves: «Geralmente os filmes de surf são sobre viagens, este é mais profundo, onde também focamos a região e o canhão da Nazaré. Estamos aqui todos os dias a acompanhar o projecto e mostrámos nas imagens todo o tipo de mar, desde ondas de um metro a mais de vinte metros e agora a onda gigante.»

«O próprio Garrett faz pesquisa à procura de ondas de cem pés [trinta metros], uma espécie de Santo Graal dos big wave riders», conta Pedro Pisco. No dia em que apanhou a onda – que na realidade tinha noventa pés [27 metros] – McNamara não imaginava que seria o seu dia de sorte. Estava dentro de água, sem saber o que o esperava, «muito relaxado». Ao contar a experiência de surfar a onda gigante, diz que não pensou em nada de concreto: «Só depois percebi que era uma onda especial. O vento era tão forte dentro da onda que não ouvia nada. É uma onda muito misteriosa e muito mágica. Nunca sabemos o que vai aparecer lá fora.»

O projecto de exploração das potencialidades da Nazaré e da Praia do Norte foi delineado para três anos, mas «com este sucesso já estamos a pensar muito mais à frente», conta Pedro Pisco. O investimento é de privados, por isso, a Câmara Municipal contou sempre com apoios, e também de «muitos nazarenos que acreditam e, agora, estão a ter o retorno». No âmbito do projecto, está ainda prevista a construção de um Centro de Alto Rendimento de Surf, que inclui treino de resgate e salvamento aquático, um projecto de educação ambiental e um Museu de Ondas Grandes. Tudo com a chancela de Garrett McNamara.

O canhão da Nazaré

O segredo das ondas gigantes na Praia do Norte vem do fenómeno conhecido como canhão da Nazaré e que proporciona a criação de ondas com um tamanho fora do normal. De acordo com o Instituto Hidrográfico da Marinha Portuguesa – que mantém um estudo permanente no local com bóias de monitorização – «a proximidade do canhão da Nazaré à Praia do Norte promove uma situação de empolamento com intensidade significativa». Condições que, com o vento e a direcção de ondulação certos, produzem as «ondas perfeitas» de que Garrett McNamara fala.

Este é um acidente geomorfológico raro, tido como o maior da Europa e um dos maiores do mundo. O «canhão da Nazaré é uma falha na placa continental com cerca de 170 quilómetros de comprimento e que atinge os cinco quilómetros de profundidade. Está localizado em frente à Praia do Norte e canaliza a ondulação do oceano Atlântico para esta praia praticamente sem obstáculos, proporcionando a criação de ondas com um tamanho fora do normal, por comparação com a restante costa portuguesa.

No Porto de bicicleta

Publicado na Tentações, edição de 1 de Setembro da revista Sábado.

Passar fronteiras como modo de vida – 21 de Agosto de 2011

Para muitos não passa de um sonho. Outros insistem, e acabam por conseguir fazer das viagens a sua vida. São relatos de quem não consegue viver o dia-a-dia sem pensar na próxima viagem.

 

Pés peregrinos

Por SUSANA RIBEIRO. FOTOGRAFIA JOSÉ MOTA/GLOBAL IMAGENS

Todos os anos milhares de peregrinos rumam a Fátima por altura do 13 de Maio. Todos pela devoção que os une a Nossa Senhora. Fazem quilómetros, muitas vezes em sofrimento por causa de problemas nos pés. Pelo caminho encontram os postos de podologia que atenuam a dor e confortam o espírito.

São 150 os podologistas voluntários da CESPU (Cooperativa de Ensino Superior, Politécnico e Universitário) – docentes e alunos – que dão apoio gratuito aos peregrinos que se deslocam a Fátima a pé. Os romeiros que partem do Norte fazem aproximadamente quarenta quilómetros diários, num total de mais de duzentos, para chegar ao santuário. Durante o caminho, os postos de podologistas vão aliviando os maiores males dos peregrinos a pé: bolhas, hematomas, mialgias e contracturas (dores musculares), alterações dérmicas, entorses, fasceítes plantares, edemas, alergias, problemas ungueais, insolações, vasculites e úlceras. Nomes conhecidos de muitos, que por vezes já trazem na bagagem problemas nos pés e nunca os trataram devidamente.

A podologia é uma área que tem vindo a crescer, mas só recentemente a Assembleia da República aprovou um projecto de resolução que reconhece a profissão de podologista. São cerca de mil os profissionais em actividade em Portugal, e a regulamentação desta nova profissão de saúde pode permitir, por exemplo, que os podologistas passem a ter uma carreira no Serviço Nacional de Saúde, o que até agora não acontecia. A falta de enquadramento fiscal e o uso indevido do título profissional por técnicos não qualificados são outros problemas que os podologista querem ver resolvidos.

Os problemas dos pés

A podologia é uma disciplina da área da saúde que estuda, previne, diagnostica e trata as alterações dos pés e as suas repercussões no corpo humano. Sendo o pé a nossa base, qualquer alteração nos pés pode afectar o normal funcionamento do corpo humano.

Os problemas dos pés são variados. Um estudo do Instituto Politécnico de Saúde do Norte (IPSN), da CESPU, que envolveu cerca de 1700 crianças, concluiu que 34 por cento apresentava doenças nos pés, sendo as mais frequentes pé plano, pé valgo, hiperidrose e onicocriptoses e verrugas plantares. Um dos problemas mais graves tratados no âmbito da podologia é o pé diabético, principal causa de amputação não traumática dos membros inferiores e o maior responsável pelo internamento hospitalar dos diabéticos. Estudos científicos mostram que existe uma redução de sessenta por cento de amputações quando existe acompanhamento podológico.

Recostada na cadeira, em consulta na CESPU de Vila Nova de Famalicão, Maria Rosa Pereira, 55 anos, olha para os seus pés, que lhe têm trazido maiores dores e desassossego nos últimos anos. Sempre teve calos e muitas dores, mas desde há quatro anos a sua vida mudou. Passou a ter consultas com podologistas, e de dois em dois meses vai fazer o tratamento que lhe melhorou a qualidade de vida. «Usei muito saltos altos e não se deve», diz Maria Rosa. Mas o podologista Manuel Portela faz questão de frisar que os problemas nunca são de um só factor, «pode ser falta de uma vitamina, sapatos que se usam, maior facilidade para encravar unhas, entre muitos outros». Adianta que «há também muita gente que não sabe cortar bem as unhas e os calos são apenas uma defesa do pé e surgem nos locais onde existe maior pressão».

«Deveríamos ter mais cuidado com os pés», diz, em tom de lamento, Maria Rosa. Manuel Portela considera que «já começa a haver maior informação e que a prevenção também começa a instalar-se ao nível da podologia infantil».

Cuidados redobrados em peregrinação

Ali ao lado, ainda na CESPU, no gabinete do podologista Miguel Oliveira, estão duas peregrinas que costumam fazer a caminhada até Fátima para o 13 de Maio. Eulália Ferreira é de Vila do Conde, tem 52 anos. Patrícia Cardoso tem 34 anos e é de Famalicão. Ambas têm consultas periódicas na CESPU e antes de partirem para a peregrinação têm cuidados redobrados.

Eulália faz a caminhada por etapas e demora quatro dias. O marido vai buscá-la e levá-la ao mesmo ponto para recomeçar. «Apesar de algumas dores nos pés, sou das que estão mais frescas no dia seguinte, porque descansei em casa e assim consigo dar maior apoio aos outros, muitas vezes dar a mão», diz Eulália, com um ar sorridente. Faz a peregrinação há oito anos, sem promessa implícita, e diz que, «enquanto puder, vou». Patrícia faz o caminho para Fátima há seis anos, primeiro pela promessa pelo avô, agora vai apenas porque «é algo muito enriquecedor».

Mesmo com tantos quilómetros nos pés, Patrícia garante que nunca teve bolhas. Mas numa das vezes descobriu – num dos postos mantidos por podologistas da CESPU – que as dores que tinha vinham de um desnivelamento na perna que «nunca tinha sentido». «Colocaram-me logo algo na sapatilha para compensar e continuei a caminhada», refere a peregrina. «Quando regressei, vim a uma consulta e fizeram-me uns suportes plantares, para resolver esse desnível que iria ter influência na coluna», diz Patrícia Cardoso.

O apoio nos postos de peregrinação está aberto e é gratuito para qualquer pessoa. Desde 1997 que a CESPU faz esta acção e tem tido uma presença habitual junto dos peregrinos. Patrícia sublinha que «são tão peregrinos como nós. Não estão só a tratar, também ouvem os nossos desabafos».

«Nós minimizamos a dor de quem faz a peregrinação, mas o esforço mantém-se», refere o podologista Miguel Oliveira.

«Antes de 1994 quase não se ouvia falar de podologia em Portugal», diz o especialista. «Os pés estão tapados a maior parte do ano e as pessoas não lhes dão muito valor», adianta. «Mas é preciso haver consciência de que muita gente caminha sobre problemas», diz Miguel Oliveira.

«Pelo menos uma vez por ano as pessoas deviam vir ao podologista, mas há quem tenha de vir mais vezes, devido às suas necessidades», ressalva.

Eulália Ferreira tem problemas crónicos, alguns que esperam muito provavelmente uma cirurgia. Por isso, vem umas quatro vezes por ano e traz com ela a família, amigos e ainda hóspedes do lar que tem na Maia. «O podologista não pode ser visto como uma evolução do calista, temos uma formação superior e agora temos especialização em diversas áreas. Na podologia os tratamentos são muito personalizados, ninguém tem tratamentos iguais, porque os problemas são sempre diferentes», conclui Miguel Oliveira.

Podologia em Portugal

No ano passado, ao receber os peregrinos, os voluntários da CESPU praticaram cerca de três mil actos podológicos.

O curso de Podologia existe desde 1994, e a CESPU é a única instituição de ensino superior a leccionar este curso. O actual director do Departamento de Podologia da CESPU é Domingos Gomes, antigo médico do Futebol Clube do Porto. Em 2009, este departamento criou o primeiro mestrado na Europa na área do pé e do tornozelo. Os mestrados em Podiatria – considerada uma especialidade médica nos EUA – permitem aos podologistas obter um grau de especialização em quatro áreas: podiatria clínica, podiatria geriátrica, podiatria infantil e podiatria do exercício físico e do desporto.

Cuidados gerais a ter com os pés

_Higiene diária, lavar os pés todos os dias com sabonete de pH neutro.

_Secar rmuito bem os pés, especialmente entre os dedos.

_Observar os pés diariamente, directamente ou através de um espelho.

_Hidratar a planta do pé com um creme específico para pés.

_Cortar as unhas de forma recta com instrumento desinfectado e de uso pessoal.

_Usar meias de fibras naturais (lã, algodão, seda).

_Usar calçado estável de material natural e respirável (pele, couro).

_O calçado deve ser adquirido ao final do dia (quando o pé já apresenta algum edema).

_Não realizar autotratamento.

_Consultar um podologista uma vez por ano e sempre que exista algum sinal ou sintoma.

Publicado a 8 de Maio de 2011, na Notícias Magazine.

Uma escola no campo

Texto: Susana Ribeiro

Foto: Paulo Jorge Magalhães/Global Imagens

Em Fermil, Celorico de Basto, a Escola Profissional não é uma escola comum. Tem uma ETAR, preocupações ecológicas e vende produtos que são cultivados pelos alunos que frequentam os cursos de agricultura. Já foram cursos que ninguém queria, agora dão novas perspectivas a um cada vez mais incerto mercado de trabalho.

Há cerca de 1200 alunos em cursos nas escolas profissionais de agricultura em Portugal, e trinta escolas profissionais de agricultura. Mas em Celorico de Basto, com uma história de quase quarenta anos (ver caixa), a Escola Profissional de Fermil (EPF) tem cursos de mecânica, bombeiros, controlo e qualidade alimentar, electrónica e telecomunicações, mecatrónica de automóveis ligeiros, turismo e produção agrária. «Há uns anos, estes cursos eram vistos como os que ninguém queria», diz o director da escola, Fernando Fevereiro. «Agora são cursos que estão a voltar, porque têm sempre saída», realça. São outros tempos. Numa sociedade repleta de licenciados desempregados, tem sido maior a procura de cursos com saída imediata. «Daqui também saem muitos para a universidade, outros emigram e muitos começam logo a trabalhar», adianta Fernando Fevereiro. «Do curso de produção agrária saem alunos habilitados a pegar imediatamente numa produção e a explorá-la», revela o director. «Os que vêm para aqui sabem o que querem da vida», garante.

O edifício central da escola é uma casa senhorial, de paredes de pedra, transformada ao longo dos anos. «Já tivemos prefabricados, mas agora as salas estão dotadas de aparelhos modernos.» Fernando Fevereiro conta uma vida de trabalhos. Quando jovem, foi porteiro no Jornal de Notícias, no Porto. Estudou engenharia florestal em Vila Real, na Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro e, desde 1989, é director da Escola Profissional de Fermil. «Tenho muita fé nesta rapaziada», diz, convicto. «A escola é feita por eles. São miúdos, na sua generalidade, muito responsáveis e bem-educados». Uma das particularidades que destaca «é a forte ligação entre professores e alunos». Talvez por isso, seja fácil crescerem projectos como o Festival de Cinema Rural: o Farm Film (ver caixa).

«Aqui ninguém abandona a escola a meio», garante o director ao explicar que o ensino profissional não pode ser encarado como uma segunda escolha. «A escola forma mão-de-obra qualificada para o país e, por isso, é com pena que muitas vezes vemo-los a emigrar, porque aqui não conseguem emprego com salários justos», adianta Fernando Fevereiro. O director revela ainda que lidam com situações económicas e sociais muito difíceis. «Existem muitos casos que passam à margem das autoridades e que aqui tentámos ajudar, porque é uma comunidade pequena e unida. Isto faz parte da mística da escola», assinala o director.

Cada turma tem cerca de vinte alunos e «quem vem do ensino regular nota logo a diferença», salienta o director. «Aqui as coisas são completamente diferentes. Os alunos têm um acompanhamento mais próximo e dedicado», enfatiza. Não há pinturas nas paredes, nem material estragado: «Existe empenho da direcção e professores que faz que os alunos sigam os exemplos.» «Está tudo impecável e limpo, como podem ver», mostra o director. «São jovens como os outros e fazem as suas garotices. Houve um grupo que sujou a paragem do autocarro, mas a seguir o castigo foi pintarem-na de novo», conta. Alunos e professores almoçam gratuitamente na escola. «Para alguns alunos é a única refeição decente que têm durante todo o dia e nós temos o cuidado de seguir esses casos especiais», indica o director.

Não devem ser muitas as escolas que, da produção de alimentos, fazem dinheiro. Da vacaria sai o leite que vendem à Agros e, nas vindimas, saem «as melhores uvas» para a empresa Aveleda. As uvas que sobram servem para a produção da marca própria de vinho. O néctar produzido e engarrafado pelos alunos é comercializado e «tem muita saída», garante o director. As produções desta escola passam também por semear milho para o gado e, no ano passado, produziram seiscentos quilos de kiwis. «O nosso objectivo é produzir seis toneladas de kiwis por ano», realça Fernando Fevereiro. Os produtos são todos vendidos a associações certificadas. Tudo potencialidades tiradas dos 23 hectares de terra da Escola Profissional de Fermil, dos quais onze são de prado, nove de vinha e 1,9 de kiwis. «Nunca ficámos com o lucro, mas ajuda nos nossos gastos. Todo o dinheiro que fazemos é dado ao Estado que depois nos vai chegando consoante as nossas necessidades», revela o director. Das contas da venda dos produtos garante que «dá para pagar a água, a luz, o telefone, arranjos das máquinas e quase toda a manutenção». Também no âmbito da educação ambiental, o estabelecimento tem painéis solares e são a «única escola do país com uma ETAR biológica», onde fazem reaproveitamento da água dos esgotos.

«A grande mais-valia desta escola é a natureza dos seus alunos. São, na generalidade, rapazes e raparigas humildes, educados e empenhados, o que já não é fácil de encontrar», elogia o professor Leonel Castro. «Todos aqueles que são mais rebeldes, desalinhados, acabam por ser absorvidos pelo bom ambiente que se vive nesta escola», salienta o docente. Foi nos laboratórios que encontrámos José Augusto Munguampe. Veio de Moçambique para estudar na Escola Profissional de Fermil, ao abrigo do convénio da Fundação Portugal-África. Tem 23 anos, mas com a sua cara de menino ninguém o diria. Quando terminar os estudos tem de trabalhar com o governo moçambicano e passar os ensinamentos que recebeu. Na escola estão dois estudantes vindos de Moçambique. José Augusto é um deles. Não é de muitas palavras, mas diz gostar de todas as disciplinas e de Portugal. «Depois da escola, vão fazer seis meses em formação pedagógica na Universidade Católica Portuguesa para poderem dar aulas», adianta Maria de Lourdes Moura, que nos acompanha na visita. Já foi aluna desta escola, seguiu o ensino superior e é professora há seis anos na EPF.

Na sala de Turismo

Numa das salas, uma turma do 11.º ano de Turismo faz o relatório dos estágios. Vasco Oliveira tem 17 anos e nas suas palavras não demonstra incertezas quanto ao seu futuro. É convincente quando diz que escolheu «este curso porque tem várias saídas». Vasco é de Celorico de Basto e deseja fazer a especialidade no Curso de Animador Cultural. Na mesma turma está Daniela Moreira. Tem também 17 anos mas ainda não consegue dizer o que quer fazer da vida. Espera pelo 12.º para decidir se vai prosseguir estudos ou então entrar directamente no mercado de trabalho. Para já, confessa que escolheu «esta escola porque talvez seja mais fácil para arranjar emprego». Apesar dos seus 16 anos, Sérgio Rodrigues assume um ar sério quando o questionámos sobre o seu futuro. «O turismo está em evolução no país e o meu futuro dependia da minha escolha», diz o estudante celoricense. «O turismo sempre me pareceu a área mais apropriada para apostar», adianta, confidenciando que «se a curto prazo houver a possibilidade, quero ir para a Faculdade», admitindo que tudo dependerá da situação financeira da família.

Todos os alunos fazem estágio durante um mês e meio como formação no contexto de trabalho. «Temos várias empresas em carteira, para onde os nossos alunos vão estagiar», diz Fernando Fevereiro. «Também podem ir estagiar para fora do país e também recebemos aqui alunos estrangeiros». «Muitos recebem propostas de trabalho mal acaba o estágio», refere o director. «A prática adquirida é muito importante, dá mais autonomia e responsabilidade», salienta a professora Sandra Teixeira, que também é directora do curso Técnico de Turismo.

Alunos de Produção Agrária

Marta Pereira é de Mondim de Basto e chegou à Escola de Fermil por causa das más notas. Tem 16 anos e frequenta o curso de Técnico de Produção Agrária. «Tive más notas e os meus pais quiseram que eu viesse para cá». Por coincidência, este foi o rumo que Marta sempre quis para a sua vida: «Sempre tive interesse nesta área, porque cresci no meio rural. O meu sonho é trabalhar com animais». Marta revela também que quer «seguir esta área, porque sei que o mercado de trabalho está necessitado de pessoas formadas em produção agrária». Já Pedro Ramos diz que foi aqui que encontrou o curso que queria: «Esta era a área que mais se adequava a mim». O facto de os pais serem agricultores também impulsionou a escolha. Mas Pedro ainda não decidiu se continua os estudos ou se segue já para o mercado de trabalho. Da mesma turma, Rui Pereira não tem dúvidas e vê o curso como «uma oportunidade de arranjar emprego mais facilmente». O professor Leonel Castro sai em defesa das escolhas dos alunos: «Todos têm maior probabilidade de arranjar emprego com estes cursos» e «a maioria sabe que está a apostar bem no seu futuro», diz o docente.

Nas terras anexas às instalações escolares estão os dormitórios, os terrenos de cultivo, a vacaria com 25 cabeças de gado, o local de produção do vinho e cavalos garranos. Mas garante o director que «temos ainda muito por onde crescer», adiantando que «gostaria de implementar uma casa de turismo rural no espaço, que serviria também como forma de aprendizagem para os alunos».

Para além disto tudo, a Escola Profissional de Fermil dispõe de um dormitório para professores e alunos que vêm de fora. O internato é gratuito para os alunos e, segundo o director, «é um factor que chama mais alunos para a nossa escola, principalmente para os que são de longe». A maioria dos alunos é da região, mas existem outros que vêm de cidades como Guimarães, Porto e Coimbra. Dos 250 alunos matriculados este ano lectivo, 25 estão ali alojados e também alguns professores. Segundo os dados da EPFCB, cerca de metade dos alunos que terminam o 12.º ano seguem para o mercado de trabalho e os restantes optam por prosseguir estudos no ensino superior.

Farm Film Festival – Festival de Cinema Rural

A ideia de realizar um festival de cinema rural surgiu durante uma aula de Português, leccionada pelo professor Leonel Castro. Enquanto falava dos textos dos media, na turma do curso de Técnico de Produção Agrária, teve «uma feliz interrupção» com a pergunta de um aluno: «Porque não organizamos um festival de cinema rural?». «Todos se riram com o atrevimento do colega, aí eu pensei: e porque não?», revela o professor.

Leonel Castro diz que «tem sido um desafio em crescendo a organização», apesar de o Farm Film Festival – Festival de Cinema Rural ainda não contar com uma data definitiva. Começou por ser um desafio para amadores, mas agora tomou tamanha dimensão que vai ter duas vertentes: amadores e profissionais. O Farm Film conta, desde o início, com o patrocínio da Câmara Municipal de Celorico de Basto, da Câmara Municipal de Mondim de Basto e do Centro de Formação de Basto.

«O Farm Film Festival – Festival de Cinema Rural tem como principal objectivo premiar filmes e produções audiovisuais que promovam eficazmente o mundo rural, em qualquer uma das suas múltiplas dimensões: cultural, social, económica, recreativa, entre outras», adianta Leonel Castro. Para além disso, o Farm Film visa outros objectivos como «incentivar os jovens a iniciarem-se na realização e produção de filmes, bem como promover o mundo rural como elemento fundamental da nossa identidade, e em particular da região de Basto e Barroso e os concelhos anfitriões do festival», salienta o professor. Paralelamente à exibição de filmes e sua avaliação pelo júri, o Farm Film Festival vai dinamizar acções de animação e divulgação cultural, conferências, workshops e festas temáticas, entre outras actividades.

História da escola

A história deste estabelecimento começou com a criação da Escola Secundária de Fermil de Basto, em 1972. Os tempos eram outros e também a educação era outra. Era uma escola técnica (secção da Escola Técnica da Régua), com os cursos de Agricultura, Formação Feminina, Mecânica e Electricidade. «Basicamente era o que a região precisava naquela altura», adianta o director, Fernando Fevereiro. Apenas os cursos de Agricultura e Formação Feminina prosseguiram, os outros foram extintos por falta de oficinas e equipamento. As sucessivas alterações na Educação foram mudando os nomes dos cursos, e nos anos de 1980, foram criados os cursos técnico-profissionais de agropecuária e técnicos-profissionais florestais. A Escola de Fermil foi pioneira na criação deste último.

Em 1992, novas transformações mudam o nome do estabelecimento de ensino, que passou a designar-se Escola Profissional Agrícola de Fermil de Basto, que lança dois cursos: o de técnico de gestão agrícola e técnico florestal. No ano seguinte consegue obter dois novos cursos: técnico de gestão ambiental e paisagístico e técnico agroflorestal. Em 1995, passou a ser a Escola Profissional Agrícola de Fermil de Basto, onde foram diversificados os cursos passando a ter técnico de Turismo Ambiental e Rural e técnico de Gestão de Pequenas e Médias Empresas e Cooperativas. Recentemente mudou o nome para Escola Profissional de Fermil, Celorico de Basto (EPFCB). Mais informações em www.epfcb.pt.

Publicado na Notícias Magazine de 27 de Fevereiro de 2011

O admirável mundo Escolinhas.pt

por SUSANA RIBEIRO.  Fotografia: ADELINO MEIRELES

Em Portugal, cerca de duas centenas de escolas do 1.º e 2.º ciclos do ensino básico já se juntaram ao Escolinhas.pt. Um projecto com carimbo nacional que pretende unir a comunidade escolar em torno das novas tecnologias. O programa traz também novas formas de aprendizagem, que todos querem explorar: alunos, professores e até os encarregados de educação.


Tudo começou na EB1 do Cedro, em Vila Nova de Gaia: «Foi aqui que começaram a surgir as primeiras ideias». diz Ademar Aguiar, um dos responsáveis pelo projecto Escolinhas.pt, que surgiu em Novembro de 2006. Actualmente, está em cerca de duzentas escolas – públicas e privadas – por todo o país.
Na altura, Ademar tinha as duas filhas a estudar naquele estabelecimento de ensino de Vila Nova de Gaia, e foi com base na experiência de encarregado de educação que lhe surgiu a ideia de criar uma base informática de trabalho para a comunidade escolar. E assim nasceu o Escolinhas.pt. «A primeira fase de um projecto tecnológico é dar acesso à tecnologia» e depois «ensinar a tirar partido dela», adianta o professor da Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto (FEUP) e investigador no INESC Porto em Engenharia de Software.

«O objectivo da plataforma é disponibilizar a toda a comunidade educativa um conjunto integrado de funcionalidades que permitem integrar as TIC (Tecnologias de Informação e Comunicação) nas práticas de ensino-aprendizagem de uma forma simples e útil», evidencia Ademar Aguiar. O promotor do projecto explica que o Escolinhas.pt tem como objectivo «a experimentação de abordagens mais motivadoras, interactivas, colaborativas e divertidas e que permitem potenciar a autonomia e criatividade».

Olhando de repente para o recreio barulhento da cinquentenária EB1 do Cedro, onde estão mais de trezentas crianças, parece que nada mudou nos últimos anos. Os rapazes correm, já transpirados pela brincadeira, e as meninas menos afoitas – pelo menos aparentemente – brincam a uma espécie de um-do-li-tá. Mas depressa vemos que esta é uma era diferente. Quando, já dentro da sala de aula, a professora pede a uma turma do quarto ano para tirar os Magalhães das mochilas e a colocar os computadores em rede.
A EB1 do Cedro é uma das cerca de duas centenas de escolas no país que usa o Escolinhas.pt como ferramenta de trabalho. A coordenadora do estabelecimento de ensino, Elsa Pinto, só tem palavras de elogio para o programa desenvolvido a norte. «Fazer uma composição deixou de ser uma obrigação, agora as crianças fazem-na muito mais motivadas nos computadores», adianta. No quadro interactivo, o aluno expõe o seu texto, escrito no computador, acompanhado por um desenho digital. «É sem dúvida um complemento educativo muito importante», diz Elsa Pinto. «Podem adicionar vídeos, mapas, que tornam alguns trabalhos ainda mais interessantes», complementa Ademar Aguiar.
Na sala da turma do quarto ano está a professora Angelina Pereira que dá aulas há 37 anos. «No início não foi nada fácil», admite a docente, que confessa que «nunca tinha sido grande apaixonada pelas novas tecnologias. Agora aprendo todos os dias algo novo com eles. Também tive de aprender a funcionar com tudo, desde que chegaram os Magalhães, mas muitas vezes são eles que ensinam a resolver problemas informáticos», diz a professora, enquanto tenta perceber porque é que a internet deixou de funcionar. «Somos a única escola em Vila Nova de Gaia que tem wireless em todas as salas», explica Elsa Pinto, confirmando que só o conseguiram com apoios.
Nem tudo é perfeito. Há muitos Magalhães que já avariaram, e muitos pais não têm dinheiro para os mandar arranjar, informa Elsa Pinto: «Muitas vezes, o Magalhães é o único computador de muitas casas.» «Para estas gerações sempre houve internet, por isso temos de explorar essa vertente», recorda a coordenadora, explicando que «os textos continuam a ser escritos à mão, por isso isto não é uma substituição, é um complemento do ensino». Mesmo a professora Angelina Pereira garante que, nos textos escritos a computador, «as piadinhas, próprias destas idades, continuam lá ainda que seja num suporte digital».
«Eles são nativos digitais, nasceram neste planeta digital e para eles é fácil mexer nos programas», defende Ademar Aguiar. O Escolinhas.pt permite também a partilha de conhecimento: «Podem ajudar colegas a corrigir trabalhos e trocar ideias», acrescenta Ademar, admitindo que muitas das ideias que teve para o Escolinhas.pt vieram da experiência das suas próprias filhas.
«Lembro-me de vir à escola, no Dia Aberto, no final do primeiro ano lectivo e de ver o portefólio de trabalhos que foram feitos e lembrar-me que seria bom ter também em suporte digital alguns deles», conta. E foi assim que começou a trabalhar no projecto Escolinhas.pt.
É um projecto pioneiro em Portugal e no panorama internacional, e está em estudo a sua utilização no estrangeiro. Segundo o investigador e docente da FEUP, o Escolinhas.pt «é para a faixa etária-alvo uma plataforma inovadora, sem paralelo no país, e já bem perto das melhores a nível internacional». O Escolinhas.pt permite que as turmas tenham blogues, partilhem informações e troquem mensagens. «A segurança é importante», enfatiza Ademar, explicando que cada um tem a sua palavra-passe. Os encarregados de educação podem também seguir os trabalhos e as pesquisas dos seus educandos, mesmo a partir de casa.
Nem tudo é brincadeira no Escolinhas.pt. Os professores podem lançar desafios e problemas nos blogues, aos quais os alunos têm de responder. «E fazem-no muito motivados», diz Elsa Pinto. A coordenadora da EB1 do Cedro recorda que «chegámos a oferecer pipocas como prémio e tivemos muito sucesso, com muita participação. Vemo-los estudar sem ser necessário mandá-los fazer os trabalhos». Segundo Sérgio Mateus, o projecto Escolinhas.pt veio revelar-se uma ferramenta muito útil. O professor é o responsável pelo acompanhamento dos alunos do ensino especial e salienta que «para um aluno com hiperactividade, por exemplo, é muito mais fácil escrever um texto no computador. Com a máquina à frente, fica muito mais calmo e dá mais facilmente largas à sua imaginação». Para Sérgio Mateus, com o Escolinhas.pt e os computadores, os alunos do ensino especial «sentem-se mais integrados na turma e tornam-se mais autónomos».
O maior problema na criação do Escolinhas.pt, confessa Ademar, foi simplificar o programa para crianças «tão novas». «O maior desafio era que fosse intuitivo e muito fácil de usar», adianta. Por isso mesmo, e porque o projecto está em permanente desenvolvimento, o professor chama os seus alunos para com ele desenvolverem novas potencialidades. É o caso de João Valente, que está a fazer a tese de mestrado baseada no Escolinhas.pt e na sua «usabilidade». Mas afinal em que consiste? «A usabilidade é a forma de vermos como podemos ajustar a plataforma à realidade, ou seja, ao que as crianças necessitam.» João vai ter contacto directo com as crianças «e as ideias para melhorar a plataforma certamente vão surgir, ao falar com as crianças e ao perceber as suas necessidades no Escolinhas.pt».
Os encarregados de educação também têm uma palavra a dizer. Miguel Pêgo é pai de Isabel, que estuda na EB1 do Cedro. A menina tem 9 anos e faz parte da turma do quarto ano que a nm visitou. O encarregado de educação diz que o programa Escolinhas.pt veio facilitar-lhe a vida: «Motiva muito mais para estudar e é um suporte que, para eles, é muito fácil de usar e que os motiva, porque para além do estudo, podem comunicar com os colegas de turma.» Para Miguel Pêgo é também um programa que traz alguma tranquilidade aos pais porque é controlado, no que toca a redes sociais.

«É melhor do que certos programas da própria internet, onde podem fazer amizades com pessoas que não conhecem», admite, confirmando que «aqui temos a certeza de que estão a falar mesmo com amigos e colegas da escola. É também uma forma de acompanhar o estudo da Isabel a partir de casa», confessa o encarregado de educação. «É uma forma diferente de a acompanhar», garante «e é mais interessante porque ela ainda me ensina algumas coisas», confessa entre risos o pai, acrescentando que o programa também se mostra «mais aberto à criatividade».
Na sala de aula do 4.º C, os colegas de Isabel estão todos em volta do Escolinhas.pt. E todos querem falar do que mais gostam no programa. Enquanto Selma Almeida e Rita Ribeiro soltam as palavras mais amiúde, Luís Alves aproxima-se para rapidamente dizer que aquilo de que mais gosta «são as anedotas e as mensagens para os meus colegas». As companheiras de turma acenam em concordância com Luís. «O que mais gosto no Escolinhas.pt é que posso mandar mensagens aos meus amigos.» Rita gosta do facto de poder apagar e reescrever as composições e «ir mudando» consoante a inspiração. Já Selma destaca os «desenhos que se podem fazer no computador». Alguns afirmam que os pais controlam o que eles fazem na internet. Isabel Pêgo diz que o pai costuma estar ao lado dela nas pesquisas. Alguns também já experimentaram o Escolinhas.pt quando ficaram doentes em casa, podendo acompanhar a matéria com os colegas, fazendo trabalhos de casa e de grupo.
«Aqui é mais seguro», diz Miguel Pêgo em relação ao Escolinhas.pt. O pai faz questão de acompanhar Isabel nas suas incursões na internet: «Os pais devem acompanhar os filhos na internet. Convém que o computador não esteja no quarto deles, nem num escritório afastado. De preferência na sala, ou num local onde os pais possam estar presentes», diz o dinamizador do Escolinhas.pt. Para além de trabalho, o Escolinhas.pt é também uma ferramenta de interacção «entre pais, alunos e professores». «Cada aluno pode ter a sua página pessoal e um item de “actividade recente” que é um tipo de Twitter», explica Ademar Aguiar.
O programa Escolinhas.pt conta com cerca de duzentas escolas inscritas (públicas e privadas) de todo o país e a versão-base é grátis. Para o ano lectivo de 2010/2011 disponibiliza também uma licença Premium e pacotes especiais (estes sim, a pagar) para turmas, associações de pais, escolas, agrupamentos e autarquias. Em Setembro começou uma nova fase de inovação, com o projecto de investigação Escolinhas Criativas, que «vai resultar em actualizações da plataforma, para suportar novos media digitais, dos jornais à rádio e televisão, tudo pela Web e feita por crianças, pais e professores nas escolas», revela Ademar Aguiar. O Escolinhas.pt tem também parcerias com a empresa da Turma da Mónica, a RTP e a Microsoft Corporation.

O que é o Escolinhas.pt?
O Escolinhas.pt é uma plataforma, pensada especificamente para crianças entre 6 e 12 anos, que visa uma aproximação às Tecnologias de Informação e Comunicação (Internet, computadores e quadros interactivos). Nesta plataforma os alunos podem ler, escrever, desenhar, calcular, brincar e partilhar com os colegas de escola, amigos, encarregados de educação e professores «de forma segura e supervisionada».
«Tendo a colaboração e partilha como conceitos principais, as Escolinhas.pt oferecem um conjunto de funcionalidades típicas da Web 2.0 e Web Social (wiki, blogues, chat, rede social privada, microblogging, correio electrónico, etc.), especialmente seleccionadas e adaptadas aos ambientes escolares do 1.º e 2.º ciclos do Ensino Básico, de forma a serem de elevada usabilidade e simplicidade de aprendizagem», revela a apresentação do Escolinhas.pt.
Como plataforma escolar quer satisfazer três componentes básicas: a componente educativa, a lúdica e a social. O Escolinhas.pt permite armazenar textos, desenhos e imagens que podem ser enviados aos professores, corrigidos, revistos, avaliados e até expostos nos espaços internos à turma ou escola. Também tem jogos educativos, recursos digitais, vídeos e aplicações interactivas. Proporciona software social, promovendo a aprendizagem em grupo, através da partilha entre colegas de turma e de escola, professores e pais.
Na apresentação, pode ler-se que a ideia-base foi construir um «sistema simples, fechado e seguro de troca e partilha de trabalhos» e que também tem «mensagens de correio electrónico, mensagens curtas (microblogging), e mensagens em tempo real que permitem uma maior aproximação entre todos na comunidade educativa». Cada aluno pode partilhar informações que só são vistas pelos membros da sua turma e escola.
Os professores «podem também gerir os seus espaços, desde subscrever notificações sobre a actividade dos alunos, supervisionar, rever e avaliar os trabalhos digitais, publicar trabalhos e enviar mensagens a alunos e encarregados de educação».
O novo projecto Escolinhas Criativas, da Tecla Colorida, visa expandir a plataforma com novas funcionalidades e serviços que suportem a criação, colaboração e partilha de novos tipos de conteúdos digitais, para além do texto e desenho e incluir novos media. A Tecla Colorida – Software Educativo, Lda. resultou da parceria de três engenheiros informáticos: Ademar Aguiar, Mário Lopes e Nuno Baldaia, incluindo-se em 2009 a empresa Dueto, SGPS, SA.

Surfistas de fato e gravata (Julho 2010)

Sete histórias de gente que não largou a prancha quando passou a usar gravata. Um gestor, um corretor de seguros, um médico, um engenheiro, um arquitecto, uma professora, uma jornalista, entre tantos outros que não largaram o vício do surf mesmo depois de se tornarem adultos. Ao mar vão buscar a adrenalina e a inspiração de que precisam para os seus exigentes empregos do dia-a-dia. Conciliam o mar com família, filhos e vidas quotidianas que condicionam para saltar para o mar sempre que podem. Histórias do “vício do surf” na primeira pessoa.

Texto: Susana Ribeiro

 

 

Fotografia da capa de Adelino Meireles

João Nuno Magalhães faz bodyboard há 18 anos. Obviamente que já deixou de ser o jovem estudante sem responsabilidades que agarrava na prancha e se atirava para o mar a qualquer hora. Agora é consultor de gestão. Mas não deixou de surfar. Quando se enfiou no escritório «custou muito», recorda. «Não havia dia em que não visse, na internet, como estavam as ondas e pensava que estava lá toda a gente menos eu.» Agora tem de se organizar melhor … «A meio da semana começo logo a planear para onde vou no fim-de-semana e onde vão estar as melhores ondas. Tenho a perfeita noção de que já não sou o típico surfista. Sou um consultor de gestão, mas nunca esqueci a paixão pelo mar.»

O surf é paixão antiga. «Desde os meus 11 anos que faço isto. Por vezes aparecia nas aulas vindo directamente do mar», conta. Acompanhou-o na faculdade, na consultora McKinsey, e condicionou-o até quando lhe foi oferecida a oportunidade de fazer o MBA: «Optei pelo campus de Singapura, assim podia passar um ano rodeado pelas ilhas indonésias, filipinas e afins.» Levou o esquema já montado para sempre que entrasse «o swell certo» – quando as ondas estão a enrolar melhor. Comprava o bilhete de avião à quinta-feira e voava à sexta depois das aulas. «Ia ter com um amigo e passava o sábado e o domingo dentro de água.» À segunda-feira estava de volta ao MBA.

E não tem sido o surf a adaptar-se à sua vida, tem sido a sua vida a adaptar-se ao surf. Na altura em que o segundo filho acordava às seis da manhã a pedir leite, por exemplo. Quando era a vez de ser o João a dar-lho, não resistia e ia ver como estavam o vento e o mar. «Foram várias as vezes em que, depois de o biberão dado e fralda mudada, seguia directo para o Guincho e antes das sete da manhã já estava no mar», diz João Nuno.

João Nuno não faz bem surf. Faz bodyboard – a diferença está no tamanho da prancha e no facto de se fazerem as ondas deitado ou de joelhos e não de pé. Começou por influência de amigos. «Como não tinha material, esperava que eles saíssem da água para me emprestarem o deles.» Agora, apesar de a profissão exigir indumentária engravatada, anda sempre prevenido. «Os clientes com quem mais trabalho já se habituaram a ver o meu carro com areia e a prancha na mala», conta.

E com uma profissão que exige, muitas vezes, estar fora do país, é necessário disciplina e organização de tempo fora do comum. «Vou para a praia ao fim-de-semana de manhã e, quando vem o bom tempo, a família também já me acompanha. Quando estou em Lisboa a trabalhar e tenho reuniões para os lados do mar, aproveito quase sempre.» João Nuno não definiria o seu gosto como vício, prefere chamar-lhe paixão. «É bem mais do que um desporto, é também o ambiente que nos puxa. Liberta-nos do stress e ganhamos forças no mar. Num mundo em que somos profissionalmente puxados para amadurecer rapidamente, é bom mantermos as relações que fizemos na praia quando éramos mais jovens, mesmo que as escolhas profissionais sejam completamente diferentes.»

O arquitecto das ondas

Na vida de Manuel Centeno, os projectos foram-se acumulando ao longo dos anos, mas o mar continua a ter lugar cativo. Este arquitecto é sócio de uma escola de bodyboard, participa em competições, trabalha juntamente com a marca Deeply e com a Associação Onda do Norte. «Não me lembro da última vez que fui ao cinema… mas tem de ser assim. Enquanto puder e tiver forças para isto, faço-o. E o que me vale é ter uns sócios que me apoiam muito nos projectos paralelos.»

Centeno estagiou com o arquitecto Alcino Soutinho, em Matosinhos, e actualmente tem um gabinete próprio de arquitectura na mesma cidade. Por ser um profissional liberal tornou-se mais fácil conciliar as duas paixões da sua vida. E se alguma vez tivesse de optar entre o bodyboard e a arquitectura? «Já pensei que isso podia acontecer… mas felizmente nunca aconteceu. Isto porque teria muitas dificuldades em decidir. Consigo conciliar tudo e também tenho tido uns sócios que me permitem isso. Mas prefiro nem pensar.»

Manuel está no bodyboard como quem está na política. E tem uma causa: defende uma democratização da modalidade e garante que com a Deeply (marca branca da cadeia internacional Sport Zone para bodyboard) já fez «que os preços baixassem» no material para a prática do desporto. Através da sua experiência no mar, ajudou a desenvolver os produtos que a marca vende. «Penso que conseguimos chegar a preços razoáveis e assim mais pessoas conseguem adquirir o material.»

Na história dos desportos de ondas muitos atletas já tiveram o seu nome como marca. Apesar dos títulos conquistados, Centeno diz que nunca pensou nisso: «Acho que ninguém ia querer andar com uma prancha com o meu nome debaixo do braço. Prefiro não ter o meu nome mas participar na evolução e desenvolvimento dos produtos com a Deeply.»

O seu nome, esse continua a ser conhecido nos quatro cantos do mundo. Mas o arquitecto e bodyboarder diz que o segredo do seu sucesso passa pela automotivação. «Acho que devemos acreditar em nós próprios e que, quando queremos algo, conseguimos. O surfar é como que uma interpretação da onda. E cada um fá-lo de forma diferente. Cada pessoa tem a sua maneira de surfar. Cada pessoa tem uma linha diferente e acho que tem de se salientar isso. Podemos aprender com os melhores, mas não podemos esquecer-nos de sermos nós próprios.»

«É como estar numa casa sem janelas»

Desde muito novos que Ricardo Iglésias e Gustavo Carona Magalhães se conhecem. Ambos receberam a primeira prancha de bodyboard com 10 anos e surfam juntos desde aí. «Na altura víamos isto como uma brincadeira», diz Ricardo que mais tarde entrou em competições. Também Gustavo se recorda de, na altura, os desportos de ondas estarem «na moda». E agora? Gustavo diz que «há cada vez mais gente, com 30 e 40 anos, a começar nas escolas de surf.»

Agora que já é adulto, Ricardo Iglésias é engenheiro do ambiente e tem horário fixo numa empresa que fica a uma hora do Porto. «Quando trabalhava mais perto conseguia, por vezes, dar uma escapadela à hora de almoço até ao mar. Agora é impossível.» Mas o bodyboard continua a ser algo «imprescindível» na sua vida. É «um escape, uma forma de poder descomprimir, esquecer o stress do dia-a-dia e relaxar. Também é uma espécie de vício, porque não conseguimos largar». Não foram fáceis os primeiros dias de trabalho de Ricardo. «Lembro-me bem de estar na empresa e saber que os meus amigos estavam a surfar. Era uma agonia.»

Gustavo, o amigo, é médico num hospital do Porto e trabalha também com o INEM. O horário rotativo implica ter de trabalhar aos fins-de-semana e feriados mas dá-lhe tempo para ir para o mar a horas inusitadas. «Ando sempre com a prancha na mala do carro e quando tenho algumas horas livres lá vou eu surfar e livrar-me do stress. Isto é um vício, mas também uma paixão que fica para toda a vida», diz Gustavo. «A melhor forma de explicar o que significa o bodyboard para nós é quando não o temos. Como por exemplo quando viajámos para um país sem mar e não podemos surfar. Eu já estive com essa ausência e é como estar numa casa sem janelas… é deprimente. Aguenta-se durante um tempo, mas não sempre.»

«Viciados em adrenalina»

Ana Coelho Borges e Maria Pessanha são ambas surfistas de longa data. Ana Coelho Borges é professora de Matemática na Escola Superior de Tecnologia e Gestão de Felgueiras. Dadas as circunstâncias e a seriedade perante os alunos que ser professora implica, sempre escondeu um pouco o facto de surfar – ou pelo menos não falava do assunto. «Tive receio de não ser levada a sério, que influenciasse a visão que os colegas e alunos tinham de mim e do meu profissionalismo.» Mas quando deixou de ser segredo e os alunos descobriram que a professora fazia surf, «fizeram algumas perguntas sobre isso» e Ana acabou por usar o facto a seu favor.  «Acabei por prometer que dava aulas de surf aos que tirassem boas notas», conta Ana. «Sempre é um incentivo para estudarem.»

Desinibida, vê-se que a comunicação é fácil para Maria Pessanha. Actualmente é jornalista freelancer, faz trabalhos para um programa de televisão, escreve para sítios da internet e «também no que for aparecendo». Desde que não interfira com… o surf. «O surf rege a minha vida», diz Maria, a corajosa que já rejeitou empregos por causa dos horários que interferiam no calendário das ondas. Ana e Maria fazem referência a um anúncio da Sumol que parece uma fábula da vida delas: um surfista nas ondas e uma frase que diz “Um dia vais entrar às nove e sair às seis. Quando esse dia chegar… manda-o embora”. Basicamente, foi o que Maria fez.

«Para nós esse horário é matar-nos aos poucos. Qualquer outro desporto pode ser feito a qualquer hora, menos o nosso. Há as marés, os ventos, a altura do mar, tudo influencia e quando nós estamos disponíveis pode nem haver ondas», concorda Ana. E explica que, mesmo com as aulas, consegue arranjar «quase sempre uma manhã ou tarde livre» para surfar. Para facilitar a vida, escolheu uma casa em frente ao mar. «É só descer para surfar. Eu sei que tenho muita sorte. Adoro o que faço, que é ensinar, e consigo conjugar com a outra paixão que é o surf.»

Nem Ana nem Maria são surfistas desde miúdas. Começaram tarde e por isso com mais dificuldade, como em todos os desportos. Maria começou aos 19 anos. Ana aos 22. «Foi muito difícil no início, mas conseguia treinar porque tinha mais tempo livre», diz Ana. Maria conta que começou com o incentivo de um primo, mas como «não conseguia fazer nada de jeito», decidiu inscrever-se numa escola de surf. «Passei esse Verão todo na praia e metida dentro de água. É que quando se começa a apanhar ondas nunca mais queremos parar.»

Depois, tanto uma como outra, nunca mais largaram o bichinho. «Recordo-me de que quando comecei a trabalhar sofria imenso por saber que os meus amigos estavam na praia a surfar e eu a trabalhar entre quatro paredes», diz Ana. Maria acrescenta: «Cheguei a ter crises de ansiedade! A primeira coisa que faço quando acordo, ainda meia ensonada, é ver as câmaras das praias, para ver como estão as ondas.»

 Ambas reconhecem no desporto muito mais do que andar em cima de uma prancha. E é isso que tão bem faz a ligação com as suas vidas. «Acho que é um desporto que nos torna mais humanos, mais humildes pela sua forte ligação com a natureza», diz a professora. Além disso, provoca alterações saudáveis na vida quotidiana. «Para surfarmos de manhã quase não saímos à noite, não bebemos, não fumamos, porque guardamos o dinheiro para o surf e para as viagens. Esses são os nossos vícios.»

Surf como amante

João Lagos é dos surfistas mais madrugadores. Dorme entre cinco e seis horas por dia, mas essa é a única maneira que tem de não largar o vício que o acompanha. João faz surf desde os 8 anos por influência dos irmãos mais velhos. Todos entraram em competições nacionais e no estrangeiro. «Nem me recordo bem de quando entrei com a prancha pela primeira vez na água, foi algo natural.» Também não se recorda de ter dificuldade em começar «era muito novo e para mim foi muito fácil surfar».

Agora que é corretor de seguros, a sua vida está totalmente optimizada para conseguir surfar. Quando se levanta, às seis da manhã, sai muitas vezes de casa já com o fato de surf vestido para não perder tempo. «É só entrar dentro de água.» Na mala do carro «está sempre o material para surfar, menos a prancha, para não se estragar com o calor.»

No material estão incluídos «dois garrafões de água para tomar banho em praias onde não existam chuveiros e tudo o que preciso para depois vestir o fato e gravata e ir directo para o trabalho. O surf é relaxante. Quando surfo o dia corre sempre melhor». Por lhe roubar tempo à família, João costuma dizer que «o surf é a amante».

Mal acorda, bem cedo, a primeira coisa que faz é ver as câmaras das praias, um hábito comum entre os surfistas. Também no escritório, a câmara está sempre ligada. «É um vício, deixo aquilo sempre ligado», confessa. Na corretora de seguros onde trabalha todos sabem qual é o vício de João: «Tenho um horário a cumprir, mas quando existem condições excelentes para surfar, eles (colegas de trabalho) sabem que tenho de sair e depois compenso. Eles sabem que o meu ritmo é muito acelerado», diz João, interrompendo a frase para atender uma chamada telefónica. Do outro lado da linha ouve-se o repto ao qual responde com um «é para ir surfar.» Altura de tirar o fato e gravata e ir apanhar ondas.

Surfistas de colarinho branco

João Lagos
Idade: 29 anos
Profissão: Account Manager
Trabalha numa corretora de seguros, no Porto, onde está há três anos. Tirou a licenciatura em História e um mestrado em Ciência Política. O râguebi foi durante muitos anos o desporto da sua vida, mas acabou por ficar de lado para poder organizar o tempo entre o surf, família e emprego. Para conseguir conciliar tudo, principalmente o tempo com a família e a filha de 1 ano e dois meses, surfa geralmente bem cedo, às seis e meia da manhã. «Vou surfar de manhã porque há menos gente, menos trânsito, menos vento e também porque assim consigo depois estar o resto do tempo livre com a minha família.» Um dia-a-dia que exige disciplina e espírito de sacrifício, mas nada que pareça custar a João Lagos: «Já acordei às quatro e meia da madrugada para ir surfar para Esmoriz.» Trocar o fato e a gravata do trabalho pelo fato de surf é coisa que faz com a maior naturalidade. Na mala do carro guarda parte da sua vida: tudo o que precisa para ir surfar e, for preciso, sair a correr para apanhar boas ondas.

Fotografia de Ricardo Meireles
Manuel Centeno
Idade: 29 anos
Profissão: Arquitecto
Já conquistou tantos prémios que lhes perdeu a conta: «Não faço a mínima ideia de quantos já ganhei. Isto dito assim pode parecer que estou a armar-me, mas é que não sei mesmo! Quando era mais novo escrevia todos os prémios para não me esquecer, entretanto perdi-me na conta», diz Manuel Centeno.
Em 2006, assinalou a proeza singular de ganhar três importantes prémios: campeão nacional, europeu e mundial – uma espécie de hat-trick do bodyboard. Neste momento, está em primeiro lugar no Circuito Europeu Open. Além de atleta de bodyboard, é arquitecto, sócio da escola Linha de Onda, participa na marca Deeply e na Associação Onda do Norte. E não quer pensar sequer em ter de desistir de alguma destas actividades. Começou com 13 anos no bodyboard e recorda-se perfeitamente de ter levado emprestada a prancha do primo para experimentar. Nunca mais parou. Com um espírito aventureiro, Centeno defende que, para se ser campeão, «temos de ter motivação e saber automotivar-nos. Temos de ter muita força de vontade e, obviamente, uma boa preparação física».

João Nuno Magalhães
Idade: 29 anos
Profissão: Consultor de Gestão
É do Porto, foi morar para Lisboa mas, actualmente, divide-se entre Londres, Madrid e a capital portuguesa para trabalhar. Licenciou-se em Economia e tem um MBA (Master in Business Administration) pelo prestigiado INSEAD, onde acabou no quadro de honra (dean’s list). Actualmente é chefe de Projecto na McKinsey & Company, onde trabalha há sete anos. Tem dois filhos e um terceiro a caminho. Todos rapazes. «Agora, com o terceiro filho a chegar, estou a procurar novas formas de conciliar tudo», adianta, acrescentando que «ainda falta algum tempo para pôr a rapaziada nas ondas, já que o mais velho ainda só tem 3 anos. Mas com muita ajuda da minha mulher, família e uma vasta lista de baby-sitters, as sessões de sábado e domingo lá se vão mantendo». Ainda acalenta o sonho do «seu plano de reforma» com um dos filhos «a correr o circuito mundial e a precisar de um manager para o acompanhar nas melhores etapas», brinca João Nuno Magalhães.

Gustavo Carona Magalhães
Idade: 29 anos
Profissão: Médico
Trabalha num hospital público, no Porto, e no INEM. Está prestes a terminar a especialidade em Anestesiologia. Em 2009 esteve nos Médicos Sem Fronteiras, no Congo, durante seis meses. «Uma experiência marcante e onde se aprende muito», assegura. Em Janeiro deste ano, quando chegou da missão do Congo, propuseram-lhe ir de imediato para o Haiti, onde um tremor de terra tinha acabado de destruir parte da ilha. «Queria muito ir, mas não podia… tinha acabado de chegar e não conseguia mudar todas as consultas e horários que já me estavam destinados… tive de recusar», lamenta. Com os dias de descanso contados, é já resignado que Gustavo Magalhães sabe que vai passar as férias deste ano a estudar para o exame final da especialidade. «Tem de ser. É a única maneira de estar descansado a estudar. Com o trabalho e outras coisas do dia-a-dia não conseguiria concentrar-me tão bem.» Usa um termo clínico para justificar a paixão pelo bodyboard e pelo mar: «Só o facto de estar na praia produz uma espécie de efeito ansiolítico.»

Ricardo Iglésias
Idade: 30 anos
Profissão: Engenheiro do Ambiente
É o responsável pelo controlo de qualidade do produto de uma empresa da indústria metalomecânica. Gosta de surfar em Matosinhos, Leça da Palmeira e em Espinho. De espírito destemido, antes de acabar o curso decidiu suspender a matrícula e dar uma volta ao mundo durante um ano «com a mochila às costas e a prancha debaixo do braço». «Fui com um amigo e foi uma experiência inesquecível», diz o engenheiro. «Surfei em locais fantásticos no Havai, Indonésia, Austrália, Peru e Brasil, entre outros.» Sempre morou perto da praia e continua a fazê-lo, para aproveitar o mar depois de um dia trabalho. Ricardo Iglésias dá também muito valor ao facto de, com o bodyboard, conseguir manter por perto amigos de longa data. Ele e Gustavo Magalhães são amigos desde crianças. «Nos dias de hoje, ir surfar com quatro amigos já é algo muito raro. É difícil conciliar horários e modos de vida, por isso damos muito valor ao encontrar pelo menos alguém conhecido na água», conta o engenheiro.

Ana Coelho Borges
Idade: 28 anos
Profissão: Professora de Matemática
Licenciou-se em Matemática na Universidade Portucalense, mas porque «temos de estar sempre a actualizar-nos», fez um mestrado em Ensino de Matemática na Faculdade de Ciências da Universidade do Porto, e iniciou o doutoramento em Matemática Aplicada. Dá aulas de Matemática a alunos do primeiro ano na Escola Superior de Tecnologia e Gestão de Felgueiras. Ana Borges tem de preparar «de forma aliciante as aulas de uma das cadeiras com maior insucesso escolar no país». Ainda assim, diz que o tempo que sobra é para o surf. Mora junto à praia para facilitar a organização do tempo: «É só espreitar para ver se está bom e descer para o mar.» Ana gostaria que esta reportagem servisse para quebrar mitos: «A generalidade das pessoas acha que os professores, e principalmente os de Matemática, não têm vida para além da escola. Quando surfo, vou dar aulas mais bem-disposta e isso é bom, porque assim também passo a matéria aos alunos de forma mais bem-disposta e descomplicada», garante.

Maria Pessanha
Idade: 25 anos
Profissão: Jornalista freelance
Estudou Jornalismo na Universidade Fernando Pessoa, no Porto. Fez depois uma pós-graduação de Jornalismo Desportivo, na Escola Superior de Jornalismo, e uma outra de Apresentação Televisiva, na Universidade Lusófona. Quase como tradição familiar, desde bem cedo aprendeu a jogar golfe. Mas para desgosto da família foi o surf que escolheu como paixão. Se pudesse voltar atrás, confessa que teria começado mais nova no surf, para poder entrar em mais competições. Um dos seus sonhos é ter um programa sobre surf na televisão, tendo já um projecto preparado. Maria Pessanha não duvida de que o ambiente do mar lhe moldou a personalidade: «Eu já sou pessoa que fala muito, mas obviamente que aumenta a facilidade de comunicar e de fazer amigos. Além de que se consegue um grupo muito coeso e com espírito de entreajuda.» Na praia, Maria sente-se em casa: «É onde gosto de estar. O surf sempre influenciou e condicionou tudo na minha vida: o amor, empregos, viagens. É tudo o que tiro da vida.»

Surf em Portugal

A Federação Portuguesa de Surf (FPS) é representativa de várias modalidades: surf, bodyboard, skimboard, longboard, kneeboard e skate. Esta última é a mais recente modalidade reconhecida pelo organismo. Em Portugal existem, neste momento, 79 clubes federados ligados a estas actividades e 146 escolas federadas (ver caixa «Escolas»).

Segundo os dados da Federação Portuguesa de Surf, são cerca de seis mil os atletas federados activos, ou seja, que participam regularmente em competições homologadas pela FPS, mas o número total de federados ronda os dez mil atletas. O número de inscritos tem vindo a subir, tendo sido registado o maior salto entre 2002 e 2006 com um crescimento de 29,1 por cento. Entre 2005 e 2009 a subida foi de 0,7 por cento.

 «Os desportos de ondas são transgeracionais. E com o stress diário que todos suportámos, haverá melhor maneira do que carregar energias a apanhar umas ondas?», pergunta Miguel Satúrio Pires, da FPS. Por isso mesmo justifica-se que, cada vez mais, se verifique de forma notória «uma maior adesão de um público na casa dos 30/40 anos, muitos deles tinham abandonado a modalidade há uns anos, por força das obrigações profissionais, e regressam agora com outra disponibilidade», diz o representante da FPS.

«Além do mais, os desportos de ondas tornaram-se moda, fruto das telenovelas e estímulos comerciais afins, pelo que é tipo bola de neve: os filhos querem praticar, os pais vão atrás e, por vezes, temos a família toda na água», conta, recordando ainda que «Pedro Lima, considerado o primeiro surfista português, actualmente com mais de 60 anos, continua a praticar, além de ser relações públicas de uma conhecida marca internacional de equipamentos de surf».

Segundo aquele responsável da Federação, «Portugal tem excelentes condições naturais e, por isso, é ponto de passagem obrigatória para quem quer praticar desportos de ondas. Todas as modalidades e respectivas competições internacionais passam pelas nossas praias. Destaco o facto de contarmos com algumas das mais importantes provas do circuito mundial de surf e de bodyboard como, por exemplo, o Sintra Portugal Pro, a mais antiga, concorrida e premiada prova do circuito mundial de bodyboard, que se realiza há 14 anos consecutivos na Praia Grande», lembra. «A nível nacional, contamos com mais de cinquenta a sessenta provas homologadas pela FPS, todas elas com largas dezenas de inscritos por edição. Portanto, não só o nível das competições tem aumentado mas, consequentemente, também a qualidade dos respectivos atletas», diz.

No ano passado, a ISA – International Surfing Association colocou Portugal na sexta posição do seu ranking, atrás do Havai. Entre os países europeus, Portugal assume o primeiro lugar. Também no estrangeiro, «os atletas portugueses têm cada vez mais destaque», salienta Satúrio Pires. É o caso de Tiago «Saca» Pires, tido como um dos melhores surfistas da actualidade a nível mundial. E são também exemplo os bodyboarders Manuel Centeno, Hugo Pinheiro e Rita Pires, com inúmeros títulos conquistados.

Para Miguel Satúrio Pires, estas actividades já há muito que deixaram de ser consideradas marginais. «Penso que essa é uma questão que está completamente posta de parte. Criou-se um mito relativamente a esse aspecto. Os praticantes de desportos de ondas são, hoje em dia, cidadãos participantes activos em inúmeras iniciativas que vão muito além das modalidades em questão. Discute-se hoje em dia a possibilidade de incluir o surf como modalidade olímpica, luta que tem vindo a ser travada desde há muito pela ISA – International Surfing Association», adianta.

Acrescenta o representante da FPS que «se fossem considerados marginais, a que propósito teria o governo investido na construção de Centros de Alto Rendimento dos Desportos de Ondas espalhados por todo o território nacional?» Ainda em construção, o Centro de Alto Rendimento (CAR) de Peniche é o primeiro exclusivamente dedicado aos desportos de ondas. O projecto engloba salas de formação e de conferência, quartos totalmente equipados, ginásio, espaços de lazer, zonas verdes, recintos de arrumação, posto médico e vai ser sede do Península de Peniche Surf Clube. Como prova do crescimento dos desportos de ondas e do empenho do governo em apoiá-los, irão nascer projectos idênticos em Viana do Castelo, Aveiro, Nazaré, Costa de Caparica, Vila do Bispo e Sintra.