Sete histórias de gente que não largou a prancha quando passou a usar gravata. Um gestor, um corretor de seguros, um médico, um engenheiro, um arquitecto, uma professora, uma jornalista, entre tantos outros que não largaram o vício do surf mesmo depois de se tornarem adultos. Ao mar vão buscar a adrenalina e a inspiração de que precisam para os seus exigentes empregos do dia-a-dia. Conciliam o mar com família, filhos e vidas quotidianas que condicionam para saltar para o mar sempre que podem. Histórias do “vício do surf” na primeira pessoa.
Texto: Susana Ribeiro
Fotografia da capa de Adelino Meireles
João Nuno Magalhães faz bodyboard há 18 anos. Obviamente que já deixou de ser o jovem estudante sem responsabilidades que agarrava na prancha e se atirava para o mar a qualquer hora. Agora é consultor de gestão. Mas não deixou de surfar. Quando se enfiou no escritório «custou muito», recorda. «Não havia dia em que não visse, na internet, como estavam as ondas e pensava que estava lá toda a gente menos eu.» Agora tem de se organizar melhor … «A meio da semana começo logo a planear para onde vou no fim-de-semana e onde vão estar as melhores ondas. Tenho a perfeita noção de que já não sou o típico surfista. Sou um consultor de gestão, mas nunca esqueci a paixão pelo mar.»
O surf é paixão antiga. «Desde os meus 11 anos que faço isto. Por vezes aparecia nas aulas vindo directamente do mar», conta. Acompanhou-o na faculdade, na consultora McKinsey, e condicionou-o até quando lhe foi oferecida a oportunidade de fazer o MBA: «Optei pelo campus de Singapura, assim podia passar um ano rodeado pelas ilhas indonésias, filipinas e afins.» Levou o esquema já montado para sempre que entrasse «o swell certo» – quando as ondas estão a enrolar melhor. Comprava o bilhete de avião à quinta-feira e voava à sexta depois das aulas. «Ia ter com um amigo e passava o sábado e o domingo dentro de água.» À segunda-feira estava de volta ao MBA.
E não tem sido o surf a adaptar-se à sua vida, tem sido a sua vida a adaptar-se ao surf. Na altura em que o segundo filho acordava às seis da manhã a pedir leite, por exemplo. Quando era a vez de ser o João a dar-lho, não resistia e ia ver como estavam o vento e o mar. «Foram várias as vezes em que, depois de o biberão dado e fralda mudada, seguia directo para o Guincho e antes das sete da manhã já estava no mar», diz João Nuno.
João Nuno não faz bem surf. Faz bodyboard – a diferença está no tamanho da prancha e no facto de se fazerem as ondas deitado ou de joelhos e não de pé. Começou por influência de amigos. «Como não tinha material, esperava que eles saíssem da água para me emprestarem o deles.» Agora, apesar de a profissão exigir indumentária engravatada, anda sempre prevenido. «Os clientes com quem mais trabalho já se habituaram a ver o meu carro com areia e a prancha na mala», conta.
E com uma profissão que exige, muitas vezes, estar fora do país, é necessário disciplina e organização de tempo fora do comum. «Vou para a praia ao fim-de-semana de manhã e, quando vem o bom tempo, a família também já me acompanha. Quando estou em Lisboa a trabalhar e tenho reuniões para os lados do mar, aproveito quase sempre.» João Nuno não definiria o seu gosto como vício, prefere chamar-lhe paixão. «É bem mais do que um desporto, é também o ambiente que nos puxa. Liberta-nos do stress e ganhamos forças no mar. Num mundo em que somos profissionalmente puxados para amadurecer rapidamente, é bom mantermos as relações que fizemos na praia quando éramos mais jovens, mesmo que as escolhas profissionais sejam completamente diferentes.»
O arquitecto das ondas
Na vida de Manuel Centeno, os projectos foram-se acumulando ao longo dos anos, mas o mar continua a ter lugar cativo. Este arquitecto é sócio de uma escola de bodyboard, participa em competições, trabalha juntamente com a marca Deeply e com a Associação Onda do Norte. «Não me lembro da última vez que fui ao cinema… mas tem de ser assim. Enquanto puder e tiver forças para isto, faço-o. E o que me vale é ter uns sócios que me apoiam muito nos projectos paralelos.»
Centeno estagiou com o arquitecto Alcino Soutinho, em Matosinhos, e actualmente tem um gabinete próprio de arquitectura na mesma cidade. Por ser um profissional liberal tornou-se mais fácil conciliar as duas paixões da sua vida. E se alguma vez tivesse de optar entre o bodyboard e a arquitectura? «Já pensei que isso podia acontecer… mas felizmente nunca aconteceu. Isto porque teria muitas dificuldades em decidir. Consigo conciliar tudo e também tenho tido uns sócios que me permitem isso. Mas prefiro nem pensar.»
Manuel está no bodyboard como quem está na política. E tem uma causa: defende uma democratização da modalidade e garante que com a Deeply (marca branca da cadeia internacional Sport Zone para bodyboard) já fez «que os preços baixassem» no material para a prática do desporto. Através da sua experiência no mar, ajudou a desenvolver os produtos que a marca vende. «Penso que conseguimos chegar a preços razoáveis e assim mais pessoas conseguem adquirir o material.»
Na história dos desportos de ondas muitos atletas já tiveram o seu nome como marca. Apesar dos títulos conquistados, Centeno diz que nunca pensou nisso: «Acho que ninguém ia querer andar com uma prancha com o meu nome debaixo do braço. Prefiro não ter o meu nome mas participar na evolução e desenvolvimento dos produtos com a Deeply.»
O seu nome, esse continua a ser conhecido nos quatro cantos do mundo. Mas o arquitecto e bodyboarder diz que o segredo do seu sucesso passa pela automotivação. «Acho que devemos acreditar em nós próprios e que, quando queremos algo, conseguimos. O surfar é como que uma interpretação da onda. E cada um fá-lo de forma diferente. Cada pessoa tem a sua maneira de surfar. Cada pessoa tem uma linha diferente e acho que tem de se salientar isso. Podemos aprender com os melhores, mas não podemos esquecer-nos de sermos nós próprios.»
«É como estar numa casa sem janelas»
Desde muito novos que Ricardo Iglésias e Gustavo Carona Magalhães se conhecem. Ambos receberam a primeira prancha de bodyboard com 10 anos e surfam juntos desde aí. «Na altura víamos isto como uma brincadeira», diz Ricardo que mais tarde entrou em competições. Também Gustavo se recorda de, na altura, os desportos de ondas estarem «na moda». E agora? Gustavo diz que «há cada vez mais gente, com 30 e 40 anos, a começar nas escolas de surf.»
Agora que já é adulto, Ricardo Iglésias é engenheiro do ambiente e tem horário fixo numa empresa que fica a uma hora do Porto. «Quando trabalhava mais perto conseguia, por vezes, dar uma escapadela à hora de almoço até ao mar. Agora é impossível.» Mas o bodyboard continua a ser algo «imprescindível» na sua vida. É «um escape, uma forma de poder descomprimir, esquecer o stress do dia-a-dia e relaxar. Também é uma espécie de vício, porque não conseguimos largar». Não foram fáceis os primeiros dias de trabalho de Ricardo. «Lembro-me bem de estar na empresa e saber que os meus amigos estavam a surfar. Era uma agonia.»
Gustavo, o amigo, é médico num hospital do Porto e trabalha também com o INEM. O horário rotativo implica ter de trabalhar aos fins-de-semana e feriados mas dá-lhe tempo para ir para o mar a horas inusitadas. «Ando sempre com a prancha na mala do carro e quando tenho algumas horas livres lá vou eu surfar e livrar-me do stress. Isto é um vício, mas também uma paixão que fica para toda a vida», diz Gustavo. «A melhor forma de explicar o que significa o bodyboard para nós é quando não o temos. Como por exemplo quando viajámos para um país sem mar e não podemos surfar. Eu já estive com essa ausência e é como estar numa casa sem janelas… é deprimente. Aguenta-se durante um tempo, mas não sempre.»
«Viciados em adrenalina»
Ana Coelho Borges e Maria Pessanha são ambas surfistas de longa data. Ana Coelho Borges é professora de Matemática na Escola Superior de Tecnologia e Gestão de Felgueiras. Dadas as circunstâncias e a seriedade perante os alunos que ser professora implica, sempre escondeu um pouco o facto de surfar – ou pelo menos não falava do assunto. «Tive receio de não ser levada a sério, que influenciasse a visão que os colegas e alunos tinham de mim e do meu profissionalismo.» Mas quando deixou de ser segredo e os alunos descobriram que a professora fazia surf, «fizeram algumas perguntas sobre isso» e Ana acabou por usar o facto a seu favor. «Acabei por prometer que dava aulas de surf aos que tirassem boas notas», conta Ana. «Sempre é um incentivo para estudarem.»
Desinibida, vê-se que a comunicação é fácil para Maria Pessanha. Actualmente é jornalista freelancer, faz trabalhos para um programa de televisão, escreve para sítios da internet e «também no que for aparecendo». Desde que não interfira com… o surf. «O surf rege a minha vida», diz Maria, a corajosa que já rejeitou empregos por causa dos horários que interferiam no calendário das ondas. Ana e Maria fazem referência a um anúncio da Sumol que parece uma fábula da vida delas: um surfista nas ondas e uma frase que diz “Um dia vais entrar às nove e sair às seis. Quando esse dia chegar… manda-o embora”. Basicamente, foi o que Maria fez.
«Para nós esse horário é matar-nos aos poucos. Qualquer outro desporto pode ser feito a qualquer hora, menos o nosso. Há as marés, os ventos, a altura do mar, tudo influencia e quando nós estamos disponíveis pode nem haver ondas», concorda Ana. E explica que, mesmo com as aulas, consegue arranjar «quase sempre uma manhã ou tarde livre» para surfar. Para facilitar a vida, escolheu uma casa em frente ao mar. «É só descer para surfar. Eu sei que tenho muita sorte. Adoro o que faço, que é ensinar, e consigo conjugar com a outra paixão que é o surf.»
Nem Ana nem Maria são surfistas desde miúdas. Começaram tarde e por isso com mais dificuldade, como em todos os desportos. Maria começou aos 19 anos. Ana aos 22. «Foi muito difícil no início, mas conseguia treinar porque tinha mais tempo livre», diz Ana. Maria conta que começou com o incentivo de um primo, mas como «não conseguia fazer nada de jeito», decidiu inscrever-se numa escola de surf. «Passei esse Verão todo na praia e metida dentro de água. É que quando se começa a apanhar ondas nunca mais queremos parar.»
Depois, tanto uma como outra, nunca mais largaram o bichinho. «Recordo-me de que quando comecei a trabalhar sofria imenso por saber que os meus amigos estavam na praia a surfar e eu a trabalhar entre quatro paredes», diz Ana. Maria acrescenta: «Cheguei a ter crises de ansiedade! A primeira coisa que faço quando acordo, ainda meia ensonada, é ver as câmaras das praias, para ver como estão as ondas.»
Ambas reconhecem no desporto muito mais do que andar em cima de uma prancha. E é isso que tão bem faz a ligação com as suas vidas. «Acho que é um desporto que nos torna mais humanos, mais humildes pela sua forte ligação com a natureza», diz a professora. Além disso, provoca alterações saudáveis na vida quotidiana. «Para surfarmos de manhã quase não saímos à noite, não bebemos, não fumamos, porque guardamos o dinheiro para o surf e para as viagens. Esses são os nossos vícios.»
Surf como amante
João Lagos é dos surfistas mais madrugadores. Dorme entre cinco e seis horas por dia, mas essa é a única maneira que tem de não largar o vício que o acompanha. João faz surf desde os 8 anos por influência dos irmãos mais velhos. Todos entraram em competições nacionais e no estrangeiro. «Nem me recordo bem de quando entrei com a prancha pela primeira vez na água, foi algo natural.» Também não se recorda de ter dificuldade em começar «era muito novo e para mim foi muito fácil surfar».
Agora que é corretor de seguros, a sua vida está totalmente optimizada para conseguir surfar. Quando se levanta, às seis da manhã, sai muitas vezes de casa já com o fato de surf vestido para não perder tempo. «É só entrar dentro de água.» Na mala do carro «está sempre o material para surfar, menos a prancha, para não se estragar com o calor.»
No material estão incluídos «dois garrafões de água para tomar banho em praias onde não existam chuveiros e tudo o que preciso para depois vestir o fato e gravata e ir directo para o trabalho. O surf é relaxante. Quando surfo o dia corre sempre melhor». Por lhe roubar tempo à família, João costuma dizer que «o surf é a amante».
Mal acorda, bem cedo, a primeira coisa que faz é ver as câmaras das praias, um hábito comum entre os surfistas. Também no escritório, a câmara está sempre ligada. «É um vício, deixo aquilo sempre ligado», confessa. Na corretora de seguros onde trabalha todos sabem qual é o vício de João: «Tenho um horário a cumprir, mas quando existem condições excelentes para surfar, eles (colegas de trabalho) sabem que tenho de sair e depois compenso. Eles sabem que o meu ritmo é muito acelerado», diz João, interrompendo a frase para atender uma chamada telefónica. Do outro lado da linha ouve-se o repto ao qual responde com um «é para ir surfar.» Altura de tirar o fato e gravata e ir apanhar ondas.
Surfistas de colarinho branco
João Lagos
Idade: 29 anos
Profissão: Account Manager
Trabalha numa corretora de seguros, no Porto, onde está há três anos. Tirou a licenciatura em História e um mestrado em Ciência Política. O râguebi foi durante muitos anos o desporto da sua vida, mas acabou por ficar de lado para poder organizar o tempo entre o surf, família e emprego. Para conseguir conciliar tudo, principalmente o tempo com a família e a filha de 1 ano e dois meses, surfa geralmente bem cedo, às seis e meia da manhã. «Vou surfar de manhã porque há menos gente, menos trânsito, menos vento e também porque assim consigo depois estar o resto do tempo livre com a minha família.» Um dia-a-dia que exige disciplina e espírito de sacrifício, mas nada que pareça custar a João Lagos: «Já acordei às quatro e meia da madrugada para ir surfar para Esmoriz.» Trocar o fato e a gravata do trabalho pelo fato de surf é coisa que faz com a maior naturalidade. Na mala do carro guarda parte da sua vida: tudo o que precisa para ir surfar e, for preciso, sair a correr para apanhar boas ondas.
Fotografia de Ricardo Meireles
Manuel Centeno
Idade: 29 anos
Profissão: Arquitecto
Já conquistou tantos prémios que lhes perdeu a conta: «Não faço a mínima ideia de quantos já ganhei. Isto dito assim pode parecer que estou a armar-me, mas é que não sei mesmo! Quando era mais novo escrevia todos os prémios para não me esquecer, entretanto perdi-me na conta», diz Manuel Centeno.
Em 2006, assinalou a proeza singular de ganhar três importantes prémios: campeão nacional, europeu e mundial – uma espécie de hat-trick do bodyboard. Neste momento, está em primeiro lugar no Circuito Europeu Open. Além de atleta de bodyboard, é arquitecto, sócio da escola Linha de Onda, participa na marca Deeply e na Associação Onda do Norte. E não quer pensar sequer em ter de desistir de alguma destas actividades. Começou com 13 anos no bodyboard e recorda-se perfeitamente de ter levado emprestada a prancha do primo para experimentar. Nunca mais parou. Com um espírito aventureiro, Centeno defende que, para se ser campeão, «temos de ter motivação e saber automotivar-nos. Temos de ter muita força de vontade e, obviamente, uma boa preparação física».
João Nuno Magalhães
Idade: 29 anos
Profissão: Consultor de Gestão
É do Porto, foi morar para Lisboa mas, actualmente, divide-se entre Londres, Madrid e a capital portuguesa para trabalhar. Licenciou-se em Economia e tem um MBA (Master in Business Administration) pelo prestigiado INSEAD, onde acabou no quadro de honra (dean’s list). Actualmente é chefe de Projecto na McKinsey & Company, onde trabalha há sete anos. Tem dois filhos e um terceiro a caminho. Todos rapazes. «Agora, com o terceiro filho a chegar, estou a procurar novas formas de conciliar tudo», adianta, acrescentando que «ainda falta algum tempo para pôr a rapaziada nas ondas, já que o mais velho ainda só tem 3 anos. Mas com muita ajuda da minha mulher, família e uma vasta lista de baby-sitters, as sessões de sábado e domingo lá se vão mantendo». Ainda acalenta o sonho do «seu plano de reforma» com um dos filhos «a correr o circuito mundial e a precisar de um manager para o acompanhar nas melhores etapas», brinca João Nuno Magalhães.
Gustavo Carona Magalhães
Idade: 29 anos
Profissão: Médico
Trabalha num hospital público, no Porto, e no INEM. Está prestes a terminar a especialidade em Anestesiologia. Em 2009 esteve nos Médicos Sem Fronteiras, no Congo, durante seis meses. «Uma experiência marcante e onde se aprende muito», assegura. Em Janeiro deste ano, quando chegou da missão do Congo, propuseram-lhe ir de imediato para o Haiti, onde um tremor de terra tinha acabado de destruir parte da ilha. «Queria muito ir, mas não podia… tinha acabado de chegar e não conseguia mudar todas as consultas e horários que já me estavam destinados… tive de recusar», lamenta. Com os dias de descanso contados, é já resignado que Gustavo Magalhães sabe que vai passar as férias deste ano a estudar para o exame final da especialidade. «Tem de ser. É a única maneira de estar descansado a estudar. Com o trabalho e outras coisas do dia-a-dia não conseguiria concentrar-me tão bem.» Usa um termo clínico para justificar a paixão pelo bodyboard e pelo mar: «Só o facto de estar na praia produz uma espécie de efeito ansiolítico.»
Ricardo Iglésias
Idade: 30 anos
Profissão: Engenheiro do Ambiente
É o responsável pelo controlo de qualidade do produto de uma empresa da indústria metalomecânica. Gosta de surfar em Matosinhos, Leça da Palmeira e em Espinho. De espírito destemido, antes de acabar o curso decidiu suspender a matrícula e dar uma volta ao mundo durante um ano «com a mochila às costas e a prancha debaixo do braço». «Fui com um amigo e foi uma experiência inesquecível», diz o engenheiro. «Surfei em locais fantásticos no Havai, Indonésia, Austrália, Peru e Brasil, entre outros.» Sempre morou perto da praia e continua a fazê-lo, para aproveitar o mar depois de um dia trabalho. Ricardo Iglésias dá também muito valor ao facto de, com o bodyboard, conseguir manter por perto amigos de longa data. Ele e Gustavo Magalhães são amigos desde crianças. «Nos dias de hoje, ir surfar com quatro amigos já é algo muito raro. É difícil conciliar horários e modos de vida, por isso damos muito valor ao encontrar pelo menos alguém conhecido na água», conta o engenheiro.
Ana Coelho Borges
Idade: 28 anos
Profissão: Professora de Matemática
Licenciou-se em Matemática na Universidade Portucalense, mas porque «temos de estar sempre a actualizar-nos», fez um mestrado em Ensino de Matemática na Faculdade de Ciências da Universidade do Porto, e iniciou o doutoramento em Matemática Aplicada. Dá aulas de Matemática a alunos do primeiro ano na Escola Superior de Tecnologia e Gestão de Felgueiras. Ana Borges tem de preparar «de forma aliciante as aulas de uma das cadeiras com maior insucesso escolar no país». Ainda assim, diz que o tempo que sobra é para o surf. Mora junto à praia para facilitar a organização do tempo: «É só espreitar para ver se está bom e descer para o mar.» Ana gostaria que esta reportagem servisse para quebrar mitos: «A generalidade das pessoas acha que os professores, e principalmente os de Matemática, não têm vida para além da escola. Quando surfo, vou dar aulas mais bem-disposta e isso é bom, porque assim também passo a matéria aos alunos de forma mais bem-disposta e descomplicada», garante.
Maria Pessanha
Idade: 25 anos
Profissão: Jornalista freelance
Estudou Jornalismo na Universidade Fernando Pessoa, no Porto. Fez depois uma pós-graduação de Jornalismo Desportivo, na Escola Superior de Jornalismo, e uma outra de Apresentação Televisiva, na Universidade Lusófona. Quase como tradição familiar, desde bem cedo aprendeu a jogar golfe. Mas para desgosto da família foi o surf que escolheu como paixão. Se pudesse voltar atrás, confessa que teria começado mais nova no surf, para poder entrar em mais competições. Um dos seus sonhos é ter um programa sobre surf na televisão, tendo já um projecto preparado. Maria Pessanha não duvida de que o ambiente do mar lhe moldou a personalidade: «Eu já sou pessoa que fala muito, mas obviamente que aumenta a facilidade de comunicar e de fazer amigos. Além de que se consegue um grupo muito coeso e com espírito de entreajuda.» Na praia, Maria sente-se em casa: «É onde gosto de estar. O surf sempre influenciou e condicionou tudo na minha vida: o amor, empregos, viagens. É tudo o que tiro da vida.»
Surf em Portugal
A Federação Portuguesa de Surf (FPS) é representativa de várias modalidades: surf, bodyboard, skimboard, longboard, kneeboard e skate. Esta última é a mais recente modalidade reconhecida pelo organismo. Em Portugal existem, neste momento, 79 clubes federados ligados a estas actividades e 146 escolas federadas (ver caixa «Escolas»).
Segundo os dados da Federação Portuguesa de Surf, são cerca de seis mil os atletas federados activos, ou seja, que participam regularmente em competições homologadas pela FPS, mas o número total de federados ronda os dez mil atletas. O número de inscritos tem vindo a subir, tendo sido registado o maior salto entre 2002 e 2006 com um crescimento de 29,1 por cento. Entre 2005 e 2009 a subida foi de 0,7 por cento.
«Os desportos de ondas são transgeracionais. E com o stress diário que todos suportámos, haverá melhor maneira do que carregar energias a apanhar umas ondas?», pergunta Miguel Satúrio Pires, da FPS. Por isso mesmo justifica-se que, cada vez mais, se verifique de forma notória «uma maior adesão de um público na casa dos 30/40 anos, muitos deles tinham abandonado a modalidade há uns anos, por força das obrigações profissionais, e regressam agora com outra disponibilidade», diz o representante da FPS.
«Além do mais, os desportos de ondas tornaram-se moda, fruto das telenovelas e estímulos comerciais afins, pelo que é tipo bola de neve: os filhos querem praticar, os pais vão atrás e, por vezes, temos a família toda na água», conta, recordando ainda que «Pedro Lima, considerado o primeiro surfista português, actualmente com mais de 60 anos, continua a praticar, além de ser relações públicas de uma conhecida marca internacional de equipamentos de surf».
Segundo aquele responsável da Federação, «Portugal tem excelentes condições naturais e, por isso, é ponto de passagem obrigatória para quem quer praticar desportos de ondas. Todas as modalidades e respectivas competições internacionais passam pelas nossas praias. Destaco o facto de contarmos com algumas das mais importantes provas do circuito mundial de surf e de bodyboard como, por exemplo, o Sintra Portugal Pro, a mais antiga, concorrida e premiada prova do circuito mundial de bodyboard, que se realiza há 14 anos consecutivos na Praia Grande», lembra. «A nível nacional, contamos com mais de cinquenta a sessenta provas homologadas pela FPS, todas elas com largas dezenas de inscritos por edição. Portanto, não só o nível das competições tem aumentado mas, consequentemente, também a qualidade dos respectivos atletas», diz.
No ano passado, a ISA – International Surfing Association colocou Portugal na sexta posição do seu ranking, atrás do Havai. Entre os países europeus, Portugal assume o primeiro lugar. Também no estrangeiro, «os atletas portugueses têm cada vez mais destaque», salienta Satúrio Pires. É o caso de Tiago «Saca» Pires, tido como um dos melhores surfistas da actualidade a nível mundial. E são também exemplo os bodyboarders Manuel Centeno, Hugo Pinheiro e Rita Pires, com inúmeros títulos conquistados.
Para Miguel Satúrio Pires, estas actividades já há muito que deixaram de ser consideradas marginais. «Penso que essa é uma questão que está completamente posta de parte. Criou-se um mito relativamente a esse aspecto. Os praticantes de desportos de ondas são, hoje em dia, cidadãos participantes activos em inúmeras iniciativas que vão muito além das modalidades em questão. Discute-se hoje em dia a possibilidade de incluir o surf como modalidade olímpica, luta que tem vindo a ser travada desde há muito pela ISA – International Surfing Association», adianta.
Acrescenta o representante da FPS que «se fossem considerados marginais, a que propósito teria o governo investido na construção de Centros de Alto Rendimento dos Desportos de Ondas espalhados por todo o território nacional?» Ainda em construção, o Centro de Alto Rendimento (CAR) de Peniche é o primeiro exclusivamente dedicado aos desportos de ondas. O projecto engloba salas de formação e de conferência, quartos totalmente equipados, ginásio, espaços de lazer, zonas verdes, recintos de arrumação, posto médico e vai ser sede do Península de Peniche Surf Clube. Como prova do crescimento dos desportos de ondas e do empenho do governo em apoiá-los, irão nascer projectos idênticos em Viana do Castelo, Aveiro, Nazaré, Costa de Caparica, Vila do Bispo e Sintra.